TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com outros preceitos constitucionais, o ónus de, ao fixar o limite a partir do qual não é admissível um ter- ceiro grau de jurisdição, o fazer com base num fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado (cfr. Acórdãos n.º 628/05 e 324/13, este último com referência ainda aos Acórdãos n.º 189/01 e 64/06). E que, na modelação da via de acesso a um terceiro grau de jurisdição, o legislador ordinário deve ter presente que, conforme igualmente explicitado na jurisprudência constitucional, «o n.º 1 do artigo 32.º da Consti- tuição impõe que se consagre o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido» (cfr. Acórdãos n. os 8/87, 31/87 e 177/88, citados no Acórdão n.º 429/16, com referência ainda aos Acórdãos n.º 265/94, 30/01, 189/01, 235/10 e 107/12). Uma vez mais, é esse também o entendimento de que aqui deverá partir-se. Com efeito, para além de pressupor, em todas e quaisquer circunstâncias, o asseguramento do duplo grau de jurisdição, o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição implica ainda que, ao definir as condições ou pressu- postos em que o acesso a um terceiro grau deverá ocorrer, o legislador adote soluções que, para além de jus- tificadas «por outros relevantes valores do processo penal» (cfr. Acórdão n.º 610/96), não limitem de forma arbitrária ou desproporcionada as possibilidades de recorrer, nem atinjam «o conteúdo essencial das garantias de defesa» do arguido (cfr. Acórdãos n. os 8/87, 31/87 e 177/88, itálico aditado). Ora, uma vez que o juízo tendente a verificar se determinada hipótese de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação é desproporcionada ou arbi- trária só poderá fazer-se sob intervenção mediadora dos mecanismos de controlo inerentes ao princípio da proibição do excesso, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, o primeiro passo a dar –– ao qual, de resto, se não furtou o Acórdão n.º 429/16 – consiste na identificação dos fins prosseguidos através dessa limitação, em ordem a verificar se a mesma configura, relativamente a eles, uma medida adequada; num segundo momento, impõe-se averiguar se a particular limitação do acesso a um terceiro grau de jurisdição, implicada na solução fiscalizada, é exigida pela prossecução dos fins visados ou, pelo contrário, o legislador poderia ter lançado mão de um outro mecanismo, igualmente eficaz mas menos desvantajoso para o direito atingido; por último, importará determinar se o resultado obtido através dessa limitação é proporcional à carga coativa que a medida comporta ou se esta se revela, pelo contrário, excessivamente restritiva da posição jusfundamental afetada. É a essa tarefa que cumpre proceder em seguida. 11. No Acórdão n.º 429/16, o Tribunal começou por fazer notar que, tendo as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, bem como a revisão ulteriormente empreendida pela Lei n.º 20/2013, tido como desi- derato a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, restringindo a sua intervenção aos casos de “maior merecimento penal”, os fins subjacentes ao estabelecimento – e sucessiva reconfiguração – do limite a partir do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição residem no interesse na organização eficiente do sistema de administração da justiça, por forma a torná-lo mais apto a produzir uma decisão definitiva em tempo razoável. À luz de um tal interesse, cuja legitimidade e relevância foi ali expressamente reconhecida, o Tribunal considerou, no referido aresto, ser «razoável» – o que significa tanto necessário como adequado – «limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, prevendo apenas um duplo grau de jurisdição, de forma a preve- nir a sua eventual paralisação». O que o Tribunal rejeitou, por incompatível com o parâmetro de controlo extraído do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, foi a possibilidade de tal finalidade ser alcançada «à custa do sacrifício do conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido» que concluiu decorrer da não inclusão no elenco das decisões recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos pelas Relações que, revogando a decisão absolutória proferida em primeira instância, condenam o arguido em pena de pri- são efetiva, ainda que não superior a cinco anos.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=