TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

326 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, é também esse, sem desvios, o enquadramento de que aqui deverá partir-se: o direito ao recurso que ao arguido é constitucionalmente reconhecido enquadra e condiciona a liberdade constitutiva do legis- lador ordinário quanto ao delineamento das soluções que enformam o ordenamento processual penal em matéria de recorribilidade de decisões judiciais condenatórias, colocando sob incidência dos limites impostos pelo princípio da proibição do excesso, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, qualquer restri- ção ou compressão a que o mesmo seja submetido. 9. Depois de assim definir – em termos que aqui se têm por incontestáveis – o contexto problemático em que haveria de ocorrer a apreciação da norma então questionada, o Tribunal, no Acórdão n.º 429/16, ocupou-se da caracterização do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, expli- citando os respetivos fundamentos e elencando o conjunto de faculdades nele compreendidas, desde logo à luz da orientação que, em face das diversas versões a que foi sendo sucessivamente sujeita a redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, vinha sendo até então sufragada na jurisprudência constitucional. Importa, por isso, também aqui, começar por explicitar tal orientação. Na redação conferida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, o artigo 400.º do CPP prescrevia, na alínea e) do seu n.º 1, a irrecorribilidade dos «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que [fosse] aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos (…)». Em consequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, a previsão da alí- nea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP foi restringida, passando a comtemplar apenas, enquanto decisões irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apli[cassem] pena não privativa da liberdade». Regressando ao critério (também) quantitativo adotado pela Lei n.º 59/98, a Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veio conferir à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP a redação atualmente em vigor. Tomando como parâmetro a pena concretamente aplicada – por oposição ao referente da pena abstratamente aplicável adotado na Lei n.º 59/98 –, passou a prescrever-se ali a irrecorribilidade dos «acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a cinco anos». Confrontado com o pedido de apreciação da constitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/98, no segmento em que dela se extraia a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pela Relação em recurso que, revo- gando a decisão absolutória da 1.ª instância, condena o arguido em pena de multa, o Tribunal, no Acórdão n.º 49/03, pronunciou-se pela respetiva não inconstitucionalidade. Para assim concluir, o Tribunal começou por recordar, no referido acórdão, que o direito ao recurso, «constituindo uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal», tem na sua génese duas «diferentes ordens de fundamentos»: em primeiro lugar, «a ideia de redução do risco de erro judiciário», proporcionada pelo «reexame do caso por um novo tribunal», orientado para a deteção de eventuais erros de julgamento, tanto de facto como de direito, «através de um novo olhar sobre o processo, olhar esse que, por se encontrar deferido a um «tribunal superior», tem ainda a «virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede»; por último, «a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico- -processual da defesa», permitindo-se que o arguido «apresent[e] de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa». Em consonância com os respetivos fundamentos, assim explicitados, o direito ao recurso – afirmou-o o Tribunal no referido Acórdão – não só entronca na «garantia do duplo grau de jurisdição», como à mesma tendencialmente se reconduz. Dele resulta para o legislador ordinário o ónus de assegurar a reapreciação da causa por um tribunal superior, perante o qual o arguido tenha possibilidade de expor a sua defesa, faculdade que não é eliminada – antes se mantém – nos casos em que é absolutória a decisão de primeira instância. Também nesta hipótese – concluiu-se ali – é proporcionada ao arguido a faculdade de discutir perante um

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