TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
324 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Resulta dos presentes autos que, depois de sujeito a julgamento sob acusação da prática de um crime de condução sem legal habilitação, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, o ora recorrente foi absolvido por sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, que teve integralmente por não provados os factos descritos naquela acusação. Interposto recurso pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou que a prova produzida em audiência de julgamento e indicada pelo então recorrente, «devidamente relacionada entre si e valorada à luz das regras da experiência», impunha conclusão diversa daquela que dela fora extraída pelo Tribunal de primeira instância, conduzindo a ter por integralmente demonstrados os factos constantes da acusação. Depois de subsumir o quadro factual traçado em juízo ao tipo legal de crime imputado ao ora recorrente – concluindo que o mesmo cometera, em autoria material, um crime de condução sem legal habilitação, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro –, o Tribunal da Relação de Guimarães procedeu à definição das respetivas consequências jurídicas, operação que, perante a previsão de pena de multa em alternativa constante da previsão incriminadora, começou por incluir a determinação da espécie de pena a aplicar. Após ter optado pela pena de multa cominada a título principal, o Tribunal da Relação de Guimarães procedeu à determinação da respetiva medida concreta e quantitativo diário, atentando, para o efeito, nos factos elencados na sentença absolutória proferida em primeira instância, atinentes às condições pessoais do ora recorrente, bem como aos respetivos antecedentes criminais. Feito este escurso pelos elementos caracterizadores do contexto decisório subjacente ao juízo formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça, sem dificuldade se percebe que a norma impugnada pelo recorrente, tal como definida no requerimento de interposição do recurso, não foi aplicada na decisão recorrida com a amplitude com que ali se encontra enunciada. E isto a dois distintos níveis. O primeiro, já assinalado, prende-se com o facto de o recorrente ter sido condenado em pena de multa alternativa, espécie esta que, apesar de compreendida no conjunto das penas não privativas da liberdade, tem com o risco dessa privação, conforme adiante melhor se verá, uma relação diferenciada. O segundo diz respeito à circunstância de o juízo decisório subjacente ao estabelecimento das conse- quências jurídicas do crime fixadas pelo Tribunal da Relação de Guimarães compreender apenas os factos elencados em primeira instância, sem recurso a quaisquer outros que, podendo constar igualmente dos autos, ali não tivessem sido enunciados já. No acórdão em que, revogando a sentença absolutória proferida em primeira instância, condenou o ora recorrente pela prática do crime imputado na acusação, o Tribunal da Relação de Guimarães procedeu tanto à escolha da espécie de pena a aplicar, como à determinação da sua medida concreta – incluindo o respetivo quantitativo diário – atentando exclusivamente nos factos atinentes às condições pessoais e antecedentes criminais do condenado, tal como fixados em primeira instância, não tendo convocado para aquele (ou qualquer outro) efeito quaisquer elementos que não integrassem já o pro- nunciamento do tribunal de primeira instância. Tal circunstância, subjacente ao juízo decisório formulado na decisão aqui recorrida, concorre de forma não desprezável para a caracterização do critério normativo que integra a ratio decidendi daquela decisão, imprimindo-lhe uma especificidade que não pode deixar de projetar-se na dimensão normativa que constitui o objeto do recurso de constitucionalidade. Sob efeito da dupla delimitação que vem de apontar-se, deve, pois, concluir-se que o objeto do presente recurso é integrado pela norma extraível do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP, quando interpretado no sentido em que não é passível de recurso o acórdão da Relação que, perante absolvição ocorrida em 1.ª ins- tância, condene o arguido em pena de multa alternativa, atentando, no âmbito do estabelecimento das con- sequências jurídicas do crime subjacente a tal condenação, apenas nos factos atinentes às condições pessoais e antecedentes criminais do condenado tidos por demonstrados na sentença absolutória. É essa a norma que cumprirá confrontar seguidamente com a Constituição.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=