TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Efetivamente, aquele Acórdão foi proferido tendo sempre em atenção que a pena aplicada pela Relação era uma pena privativa de liberdade, como se pode ver a título meramente explicativo pelas seguintes passagens: “18. No caso da norma em apreciação no presente recurso, o arguido é confrontado com uma decisão da Relação, em segunda instância, que revogando acórdão absolutório da primeira instância, o condena em pena de prisão efetiva não superior a 5 anos. Perante esta decisão condenatória, resultado de recurso de outro sujeito processual face à decisão de absolvição, que o priva da liberdade por um período de tempo que pode ir até cinco anos, é negado pela lei ao arguido o direito de interpor recurso. (…) Neste contexto, aceitar a irrecorribilidade da decisão condenatória, em situações como a configurada pela norma em apreciação, seria admitir que o direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, não garante sequer a reapreciação por uma segunda instância da decisão que define a pena de prisão efetiva. (…) Ora, pelo menos quando está em causa a restrição ao direito à liberdade que implica a condenação a uma pena de prisão efetiva, uma ablação desta natureza do direito ao recurso é inadmissível. (…) No caso de uma condenação em pena de prisão definida pelo tribunal de segunda instância, após absolvição em primeira instância, impedir o arguido de rebater, com argumentos próprios, os fundamentos da medida da privação da sua liberdade, que pode estender-se até cinco anos, consubstancia uma ablação total daquele direito que é inadmissível pois atinge as suas garantias essenciais de defesa ao inviabilizar a possibilidade de contraditar os critérios de escolha e determinação da medida da pena. (…) Para além disso, deixa-se claro o reconhecimento de uma larga discricionariedade do legislador quanto à definição do rol das decisões recorríveis e ao regime do respetivo recurso. Que não haja dúvidas: não resulta do presente julgamento que o direito ao recurso nunca possa ser satisfeito pela garantia de um duplo grau de juris- dição. A Constituição não obriga à previsão de recurso face a uma qualquer decisão desfavorável. No entanto, a discricionariedade do legislador conhece como limite o dever de não ablação do direito ao recurso nas situações referidas pela jurisprudência do Tribunal Constitucional. No presente caso, em que existe uma condenação e uma decisão de privação de liberdade, proferida pela segunda instância, após uma absolvição, pela primeira instância, estamos perante uma violação desse dever.” 2.6. Citando jurisprudência anterior também se afirma no Acórdão n.º 429/16: “(…) o Tribunal Constitucional reafirmou que «muito embora se aceite que o legislador possa fixar um limite acima do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição, preciso é que “com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido”, devendo a limitação dos graus de recurso ter “um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado”. Porquanto a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota naquela dimensão. Esta garantia, “conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios” (Acórdãos n. os 189/01 e 628/05. E, ainda, Acórdão n.º 64/06)» (n.º 3 do Acórdão). “ Ora, parece-nos que estabelecer a irrecorribilidade dos acórdãos da relação proferidos em recurso e que apli- quem uma pena não privativa de liberdade, como é a pena de multa, não é arbitrário, mostrando-se antes razoável, pois consegue um equilíbrio constitucionalmente aceitável entre o direito ao recurso por parte do arguido e a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
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