TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 131. Acresce que o Governo, ao criar este sistema, impõe aos municípios que fazem parte dos sistemas agrega- dos a respetiva ligação e a transmissão dos contratos atualmente existentes entre os municípios e a sociedade Águas do Mondego independentemente da sua vontade, sem prever a referida válvula de segurança constitucional de que falámos acima, consagrada no artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 93/2013 – cfr. artigo 2.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 92/2015. 132. A obrigação dessa ligação e de transmissão dos contratos celebrados com a sociedade Águas do Mondego para a sociedade Águas do Centro Litoral afigura-se inconstitucional. 133. Esta decisão de imposição governamental de obrigações de contratar aos municípios, indo ao ponto de prescindir totalmente da vontade destes, mostra-se desadequada ao modelo constitucional de organização admi- nistrativa e de relacionamento entre o Estado e as autarquias locais: há aqui a violação da esfera constitucional de autonomia de gestão administrativa e patrimonial dos municípios, numa solução que, marginalizando a autono- mia da vontade decisória dos municípios, esquece a Constituição e edifica um modelo de contornos totalitários. 134. A obrigação de ligação e de afetação de direitos e de bens municipais a favor da nova sociedade viola a esfera constitucional da autonomia de gestão administrativa e patrimonial dos municípios competindo-lhes em exclusivo a busca e o juízo decisório sobre a melhor solução económica e de satisfação dos interesses locais. 135. Tal exige, como acima dito, a intervenção constitutiva da vontade dos municípios na estrutura de qual- quer negócio jurídico. 136. Nenhuma outra entidade pode agir em vez ou no lugar dos municípios superando a ausência de uma declaração de vontade do município. 137. A regra que impõe a obrigação de ligação ao sistema e impõe a transmissão de relações contratuais forne- cimento e de cedência de infraestruturas contra a vontade dos municípios viola ainda a regra constitucional relativa à tutela administrativa, a qual, no caso do poder autárquico, é de mera legalidade – cfr. o artigo 242.º da Cons- tituição – quando, na verdade, a imposição da obrigação de ligação ao sistema a alguns municípios, bem como a transmissão impositiva da posição contratual nos contratos de fornecimento e de cedências de infraestruturas consubstancia uma ordem, própria do poder hierárquico que a Constituição liminarmente afastou. 138. Ora, por quanto resulta do acima dito tal obrigação é inconstitucional por violação de norma constitu- cional expressa. 139. Sendo tal obrigação ainda inconstitucional por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, uma vez que apenas alguns municípios se encontram por ela vinculados, enquanto que outros não estão. 140. Pelo que são inconstitucionais as normas citadas dos Decreto-Lei [n. os ] 93/2013 e 92/2015 que preveem a ligação obrigatória ao sistema. 141. A quanto acima se referiu é de acrescer ainda o facto de, ao contrário do que estabelece o Decreto-lei n.º 92/2013 no artigo 2.º, n.º 2, o artigo 2.º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 92/2015 impor a obrigação dos municípios a ligarem-se ao sistema sem prever a possibilidade de tal ligação não ocorrer. 142. O que permite um argumento de maioria de razão relativamente ao juízo de inconstitucionalidade e de invalidade acima feito a propósito deste preceito. 143. Considera-se pois violadora do disposto no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição e dos artigos 235.º e seguin- tes a decisão constante do Decreto-Lei n.º 92/2015 que obriga a transferência, para a nova sociedade Águas do Centro Litoral, do contrato de cedências de infraestruturas atualmente celebrado entre o Município de Coimbra e a sociedade Águas do Mondego – cfr. o artigo 18.º, n.º 2. 144. Em primeiro lugar, porque essa transferência incide sobre bens municipais sobre os quais o Governo não tem qualquer poder, termos em que tal transferência, ainda que terminando em 2045, é grosseiramente lesiva da autonomia municipal constante dos artigos 235.º e da Constituição e do disposto na Lei 75/2013, v. g. , artigo 23.º, n.º 2 alínea e) , 24.º, n.º 1 alínea p) , 33.º, n.º 1 alíneas qq) e ccc), sendo, por isso inconstitucional. 145. Em segundo lugar porque essa transferência deveria ter sido acompanhada do pagamento de uma indem- nização, visto que o novo prazo de tal transferência, por força do disposto no artigo 18.º, n 2, será agora até 2045.

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