TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
31 acórdão n.º 707/17 adequadas, penalizando muito fortemente os municípios acionistas que pretendam exercer esse direito de alienação das suas ações à sociedade a constituir. 117. Pelo que, independentemente da razão já assinalada de que a venda forçada das ações prevista no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 92/2015 é inválida por violar o princípio da autonomia municipal prevista nos artigos 235.º e ss da Constituição, o certo é que o valor previsto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 93/2013 não é sufi- ciente para ser considerado como o pagamento da justa indemnização de que falam os artigos 62.º, n.º 2 e 83.º da Constituição. 118. O princípio constitucional da autonomia local, traduzindo uma garantia institucional dos municípios ao nível da gestão, exploração e decisão patrimonial – a autonomia patrimonial – e administrativa – a autonomia administrativa –, envolve para o Estado um conjunto de obrigações e vinculações limitativas da sua intervenção ou do seu agir sobre áreas de matérias que, por força da Constituição, integram a esfera reservada de decisão autárquica. 119. A intervenção do Governo sobre o património das autarquias locais, dispondo de bens alheios como se fossem seus, indo ao ponto de extinguir, desvalorizar e proceder à transferência de participações sociais do municí- pio para uma nova sociedade que o próprio Governo cria, sem qualquer manifestação de vontade concordante dos municípios envolvidos, tal como acontece nos autos, viola a autonomia constitucional dos municípios em causa – cfr. os citados artigos 235 e ss. – sendo, por isso inconstitucional. 120. E é, ainda, inconstitucional pois o Governo age sobre a esfera de decisão reservada pela Constituição e pela lei aos municípios – cfr. ainda o artigo 24.º, n.º 1, alínea n) da Lei n.º 75/2013. E é, finalmente inconstitucional, porque nem sequer contempla o pagamento de qualquer indemnização, em violação do disposto nos artigos 62.º, n.º 2 e 83.º da Constituição. C) Inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 92/2015: A extinção do atual sistema multimunicipal de captação, tratamento e abastecimento de água do Baixo Mondego-Bairrada. 121. Já se viu que o Governo decidiu extinguir unilateralmente o sistema multimunicipal do Baixo Mondego- -Bairrada. 122. Fê-lo, assim, à revelia da sua sociedade gestora e dos municípios que dele fazem parte. 123. Ao extinguir o sistema concessionado à sociedade Águas do Mondego, apropriou-se do seu património nos termos acima referidos, designadamente das infraestruturas que esta tinha adquirido e que o constituíam, sem pagar qualquer indemnização, 124. E à revelia da vontade desta sociedade e dos seus acionistas. 125. A decisão unilateral de proceder à extinção do sistema sem que tenha sido obtida a anuência, nem da sociedade Águas do Mondego, nem dos municípios utilizadores desse sistema é violadora do princípio da autono- mia constitucional atribuída aos municípios nos termos constitucionais acima explicitados. 126. Com efeito e como já dito, a conduta do Governo revela-se violadora do direito fundamental de autono- mia de gestão dos seus interesses e património, bem como do seu direito de propriedade privada. 127. Nada disto foi feito mediante o pagamento de uma justa indemnização tal como exigido pelos artigos 62.º, n.º 2 e 83.º da Constituição. 128. Pelo que essa decisão é inconstitucional nos termos acima referidos por violação dos artigos 62.º, n.º 2, 83.º, 165.º, n.º 1, alínea c) e 235.º e ss. da Constituição e 24.º, n.º 1 alínea n) da Lei 75/2013. D) Inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º n.º 1, 2.º, 15.º, 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 92/2015 e do artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 92/2013: a criação do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Centro Litoral de Portugal. 129. O Governo decidiu ainda proceder à criação de um novo sistema multimunicipal, para o qual transferiu as infraestruturas de outros sistemas multimunicipais sem ter obtido a anuência das sociedades detentoras conces- sionárias desses sistemas e detentoras das respetivas infraestruturas e sem as indemnizar. 130. Aplicam-se aqui, mutatis mutandis todas as razões de (in)constitucionalidade acima já enumeradas sobre a violação da esfera constitucional municipal e privada dos municípios, para onde se remete por comodidade.
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