TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

308 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sem se aguardar pela sua substituição e atendendo à circunstância de, em função do valor, ser obrigatória a constituição de advogado. IV – A interpretação vertida pelas Instâncias a propósito da redação do art.º 47.º do CPC é, no caso concreto, absolutamente ofensiva de normas e princípios constitucionais, designadamente no que respeita à proibi- ção de indefesa, de denegação de justiça, dos direitos de acesso à justiça, à segurança e confiança, a uma proteção eficaz dos direitos e mediante patrocínio judiciário, em suma, numa boa administração da justiça e, concomitantemente, do próprio Estado de direito. V – Com a renúncia de um profissional do foro ao mandato que lhe foi outorgado ocorre uma situação de inexigibilidade e mesmo de impraticabilidade daquele mandato por parte do renunciante, desde logo por quebra de confiança. VI – O ato de renúncia não tem como consequência imediata a extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu mandante, mantendo-se o dever do renunciante lhe prestar assistência, mas dever esse que se mantem até que a renuncia produza efeitos; e a renúncia produz efeitos, extinguindo, nesse momento, a relação de mandato, com a sua notificação pessoal ao mandante, pelo que só a partir da receção da declaração de renúncia por parte do mandante cessam os deveres do mandatário renunciante para com o seu mandante. VII – É, assim, inequívoco e, ao que cremos, indiscutível, que a relação de mandato cessa ou extingue-se, em todos os seus efeitos, no momento em que o mandante toma conhecimento, através de notificação pessoal, da declaração de renúncia do mandatário. Até esse momento, o da notificação pessoal, o mandatário con- tinua ligado ao mandante, continuando o mandato a produzir os seus efeitos. VIII – Portanto, o momento em que a declaração de renúncia se torna eficaz é exatamente o mesmo momento em que a relação de mandato se extingue em todos os seus efeitos – o da notificação pessoal do mandante da declaração de renúncia. IX – A interpretação das Instâncias, no sentido de que a relação de mandato, e, concomitantemente, os deveres do mandatário, se mantém, em todo e qualquer caso, para além da data em que o mandante foi pessoal- mente notificado da declaração de renúncia do seu mandatário, é claramente contra legem . X – Mesmo que estivessem em curso prazos (perentórios), a relação de mandato haveria de se considerar como extinta no exato momento em que o mandante fosse pessoalmente notificado da declaração de renúncia do mandatário, o que nem sequer é o caso dos autos, dado que não estava em curso qualquer prazo. XI – Tendo a declaração de renúncia entrado em juízo em 30/06/2015 e que nesse mesmo dia a mandante foi dela notificada pessoalmente, o contrato de mandato celebrado entre a ora recorrente e o mandatário cons- tituído tinha que se considerar como imediatamente extinto e, nessa medida, concedido o prazo de 20 dias àquela para que constituísse novo mandatário (patrocínio obrigatório). XII – E, assim sendo, tinha o Tribunal que se abster de praticar qualquer ato durante tal lapso de tempo, designa- damente atos que pudessem envolver a perda ou diminuição das garantias e dos direitos a exercer pela parte. XIII – Ao realizar, após notificação pessoal da ora recorrente da falada renúncia, e no primeiro dia do prazo que a lei lhe concede para constituir novo mandatário, audiência de julgamento sem que esta estivesse assistida por mandatário (sabendo, inclusive, que as testemunhas eram a apresentar – não tendo comparecido na data da audiência, obviamente), em caso de patrocínio obrigatório, o Tribunal violou direitos legais (cfr. art.º 47.º do CPC) e constitucionais (arts, 2.º e 20.º da CRP) da ora recorrente. XIV – Logo, tendo as Instâncias errado na interpretação e aplicação dos dispositivos contidos nos art. os . 40.º, n. os , 1 e 2, 472, n. os 2 e 3 e 195.º, todos do CPC, bem como dos art. os , 2.º e 20.º da CRP, deve ser concedida provimento ao presente, declarando-se a inconstitucionalidade daquela interpretação e, nessa medida, declarada a nulidade apontada, devendo os autos retomar ao ponto em que se encontravam em 30/06/2015, com a consequente repetição da audiência de julgamento e subsequente prolação de sentença em conformidade.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=