TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

299 acórdão n.º 652/17 Na verdade, a decisão em causa não tem natureza penal, contraordenacional ou transgressional, suscetível de fazer operar o disposto no artigo 32.º, n. os 1 e 10, da Constituição [...]. [...] Aliás, mesmo que a decisão que a recorrente pretendeu impugnar tivesse aplicado uma multa processual, e não apenas condenado no pagamento de custas por um incidente, a conclusão seria a mesma: a decisão não teria natu- reza penal, contraordenacional ou transgressional, não sendo a sua recorribilidade constitucionalmente imposta. Como o Tribunal Constitucional já afirmou no Acórdão n.º 315/92, de 6 de outubro (A córdãos do Tribunal Constitucional , 23.º Volume, 1992, pp. 323 e seguintes): «As sanções processuais são cominadas para ilícitos prati- cados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover. Com a sua estatuição, pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a ação da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos tribunais [...]. [...] as sanções processuais não constituem [...] sanções criminais; elas possuem uma natureza específica e são cominadas para ilícitos praticados no processo, visando promover o seu normal desenvolvimento. [...] as multas processuais [...] constituem sanções indiscutivelmente estranhas ao direito disciplinar e ao direito de mera ordenação social. O direito disciplinar caracteriza-se pela existência de um poder hierárquico que o tribunal não possui, eviden- temente, quando aplica multas processuais às partes ou a outros intervenientes no processo. Tão-pouco o direito de mera ordenação social [...] pode abranger as multas processuais – sanções historicamente anteriores e não filiadas no direito penal. [...] Em suma: da jurisprudência assinalada decorre – até por maioria de razão, atendendo a que a decisão que aplica uma multa processual ainda tem natureza sancionatória, pressupondo a prática de um ilícito processual – que nenhuma censura constitucional merece a sujeição, às regras gerais relativas ao valor da causa e da sucumbência estabelecidas no Código de Processo Civil, da recorribilidade da decisão judicial que condene um oficial de justiça nas custas de um incidente que lhe é imputado a título de desobediência a provimento e a indicação verbal expressa; tal sujeição não é vedada, nem pelo artigo 32.º, n. os 1 e 10, nem pelo artigo 20.º, n.º 1, ambos da Constituição. Tal solução também não viola o princípio do Estado de direito democrático nem o princípio da proporcionalidade’. […]”. A particularidade de o tribunal que aplica a sanção processual ser o Supremo Tribunal de Justiça – o de hierarquia mais elevada na orgânica dos tribunais comuns – reforça este juízo de conformidade à Constitui- ção da norma em causa. Esta hipótese aproxima-se da apreciada no Acórdão n.º 52/99, no qual se concluiu pela não inconstitucionalidade das normas do artigo 456.º, n.º 3, do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho (LPTA) e do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril (ETAF), quando interpretadas em termos de não admitir recurso do acórdão do Pleno da 1.ª Sec- ção do Supremo Tribunal Administrativo que condenou o recorrente como litigante de má fé. Na respetiva fundamentação, podemos ler: “[…] O acórdão recorrido – que confirmou um despacho do relator que não admitira recurso de um acórdão do mesmo Pleno, que desatendera a arguição de nulidades apresentada pelo ora recorrente e o condenou como liti- gante de má fé – decidiu a questão de saber se ele podia interpor recurso de tal decisão, na parte em que assim o condenou, face ao disposto no n.º 3 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, “independen- temente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”. A esta questão respondeu o acórdão que, “quando a decisão for proferida no último grau de jurisdição é manifesto que não pode haver lugar a recurso, pois tudo se passa como se tal decisão colimasse o eventual julgamento das instâncias inferiores”.

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