TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 70. Conforme já escrevia Paulo Otero em 2003 – “A criação de Sociedade comerciais por decreto-lei”, in Estu- dos de Homenagem ao prof Doutor Raúl Ventura, FDL, Lisboa, 2003, pp. 107 e 108 – a autonomia constitucional de que gozam as autarquias locais exclui que o Estado através de ato concreto e, ainda que assuma a forma de decreto-lei, possa criar sociedades comerciais com a participação imperativa das entidades em causa: a autonomia administrativa de que gozam essas entidades e que se encontra garantida pela Constituição impossibilita um tal tipo de intervenção dispositiva e unilateral por parte do Estado. 71. Em qualquer caso e sem prejuízo do agora referido, a mesma autonomia constitucional das autarquias locais impossibilita também o Estado de extinguir participações sociais dos municípios sem que o justifique do ponto de vista do interesse público e proceda ao pagamento da justa indemnização, substituindo-se à vontade decisória des- tes, assim como veda que se proceda à transferência de participações sociais tituladas pelas autarquias locais como se fosse ações do próprio Estado, uma vez mais, sem o pagamento da compensação constitucionalmente prevista. 72. Nestes termos a decisão de extinguir a sociedade Águas do Mondego é ainda inconstitucional por violação do citado artigo 24.º, n.º 1, alínea n) da Lei 75/2013, que se lhe sobrepõe por constar de uma lei da Assembleia da República praticada no âmbito da sua reserva relativa – cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea q) da Constituição. B) Inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º, n.º 1, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 30.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 92/2015, bem como do respetivo Anexo: a decisão de proceder à criação da sociedade Águas do Centro Litoral, S.A. 73. Como se viu, foi igualmente por decisão unilateral e contra ou independentemente da vontade dos muni- cípios acionistas que o Governo decidiu proceder à constituição da sociedade Águas do Centro Litoral, S.A. 74. Já se registou não haver oposição de princípio à constituição de sociedades comerciais por decisão adminis- trativa; no entanto e como também acima referido, esta decisão tem que ser feita no respeito dos direitos subjetivos e dos interesses legalmente protegidos dos interessados. 75. Ora, tal como em cima para onde se remete por comodidade, valendo aqui, mutatis mutandis , quanto aí se escreveu sobre a inconstitucionalidade da extinção da sociedade Águas do Mondego, a criação da sociedade Águas do Centro Litoral, S. A., nos termos em que foi feita, é inconstitucional e opera violações dos direitos e interesses legalmente protegidos dos municípios acionistas. 76. A sociedade Águas do Centro Litoral foi constituída mediante a incorporação do património e do negócio das sociedades extintas Águas do Mondego, S. A., SIMLIS e SIMRIA. 77. A sociedade Águas do Mondego é uma sociedade que explorou o sistema multimunicipal do Baixo Mon- dego-Bairrada. 78. Verifica-se que a percentagem das participações sociais atribuídas a cada um dos requeridos é muito inferior às que tinham na sociedade Águas do Mondego. 79. Isto significa, desde logo, que o poder que os acionistas da sociedade extinta passarão a ter percentualmente na sociedade Águas do Centro Litoral citada é muito mais reduzido do que o que tinham na sociedade Águas do Mondego. 80. De aí resulta uma diminuição quantitativa dos direitos acionistas na nova sociedade relativamente aos que detinham na sociedade Águas do Mondego, o que lhes retira capacidade para influenciarem as decisões daquela, reduzindo-lhe quantitativamente esses direitos sem que haja o pagamento de qualquer compensação. 81. O que se comprova facilmente pelo confronto entre o artigo 5.º, n.º 2 dos Estatutos da sociedade Águas do Mondego aprovados pelo Decreto-Lei 172/2004 e o anexo a que se referem os artigos 5.º e 6.º dos Estatutos da sociedade Águas do Centro Litoral constantes do Anexo ao Decreto-Lei n.º 92/2015. 82. Por outro lado, o número das ações que foram atribuídas a cada um dos ora requerentes foi-o através de um critério meramente proporcional – cfr. o artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 92/2015. 83. Ora, este critério apenas poderia ser utilizado – do ponto de vista exclusivamente patrimonial – se os ora requerentes fossem devidamente indemnizados como acima se invocou a quando da extinção da sociedade Águas do Mondego. 84. Quanto agora se afirma é sem prejuízo de se entender que a participação forçada de uma entidade no capi- tal social de outra empresa é violadora da sua autonomia, o que é ainda mais relevante no caso do Estado versus

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