TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

27 acórdão n.º 707/17 52. E [...] tal decisão é ainda constitucionalmente inválida ao ter procedido à extinção dos direitos patrimoniais dos municípios acionistas decorrentes das participações sociais extintas contra ou independentemente da vontade dos seus titulares sem que lhes tivesse atribuído a devida compensação. 53. Com efeito, as participações sociais dos ora requerentes têm um valor, correspondente a uma percentagem do valor de mercado da sociedade extinta. 54. Ora, o Governo, ao extinguir a sociedade Águas do Mondego, não prevê indemnizar os ora requerentes pela supressão dos seus direitos patrimoniais. 55. Nem prevê indemnizar os referidos acionistas em função da não remuneração dos capitais próprios da sociedade Águas do Mondego, por força da respetiva extinção. 56. A lei admite a possibilidade de a Administração pública proceder à expropriação de direitos ou à apropria- ção de meios de produção, mas sempre mediante o pagamento de uma justa indemnização – cfr. o artigo 62.º, n.º 2 e 83.º da Constituição. 57. Termos em que o confisco é proibido. 58. Não tendo o Governo procedido ao pagamento de qualquer indemnização, a situação referida configura um verdadeiro confisco. 59. Exatamente porque, nos termos expostos, as participações dos ora requerentes na nova sociedade não assumem a natureza de qualquer compensação ou sucedâneo de valor equivalente à participação social que têm na sociedade Águas do Mondego, há aqui uma violação do direito de propriedade dos Municípios por efeito da privação das ações assumir a natureza análoga a uma expropriação e, simultaneamente, por ausência de uma justa compensação, originado a violação do direito fundamental a uma justa indemnização – cfr. os artigos 62.º, n.º 2 e 83.º da Constituição. 60. De maneira que o ato suspendendo que decidiu extinguir a sociedade Águas do Mondego é inválido por violação dos preceitos constitucionais acima referidos. 61. Note-se que não se põe em causa a possibilidade de as sociedades comerciais poderem ser constituídas, modificadas ou extintas por Decreto-Lei: o nosso Direito é rico em situações desse tipo. 62. O que se questiona é que tal ocorra mediante a violação de direitos de terceiros, que são contra essas deci- sões, e sem que seja paga a compensação devida. 63. Acresce que o Governo não se limitou a decidir a extinção da sociedade Águas do Mondego, contra ou independentemente da vontade dos municípios acionistas da sociedade Águas do Mondego. 64. Com efeito, o Governo decidiu, ainda, transferir para uma nova sociedade a criar – a sociedade Águas do Centro Litoral, S.A. – o património da sociedade Águas do Mondego. 65. Esta transferência unilateral do património de uma sociedade anónima para outra sociedade, uma vez mais sem que a transferência tenha sido decidida pela sociedade e sem o pagamento da justa indemnização, é lesiva dos direitos dessa sociedade e dos seus acionistas e é por isso inconstitucional por violação das citadas normas constitu- cionais acima citadas, a saber, constantes dos artigos 62.º, n.º 2 e 83.º da Constituição. 66. De notar ainda, caso se entenda que os factos afirmados se subsumem à previsão do artigo 83.º da Cons- tituição, que o Decreto-Lei n.º 92/2015 é também materialmente inconstitucional por ausência de lei habilitante dado o disposto no artigo 165.º, n.º 1 alínea l) da Constituição – cfr., por todos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, Vol. I, p. 993. 67. Por outro lado e como se afirmou acima, esta decisão de extinguir a sociedade Águas do Mondego viola o princípio constitucional da autonomia municipal. 68. Com efeito, o Governo, ao ter agido sobre a vontade negocial dos acionistas da sociedade Águas do Mon- dego, viola a autonomia constitucional dos municípios consagrada nos artigos 235.º, 237.º, 238.º, 239.º, 241.º e 242.º da Constituição, interferindo com a esfera decisória alheia integrante dos interesses ou atribuições que lhes são constitucionalmente confiados e que incorporam a respetiva esfera patrimonial. 69. Note-se que, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1 da Lei 75/2013, a competência para decidir sobre a participação das autarquias locais em sociedades comerciais e outras associações é das assembleias munici- pais.

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