TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

261 acórdão n.º 644/17 situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (assim, por exemplo, os Acórdãos n. os 617/12 e 85/13, que, por sua vez, remetem para os Acórdãos n. os 128/09, 85/10 e 399/10).    6. A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas no domínio fiscal. In casu , e dada a interpretação feita pelo tribunal a quo (cfr. os n. os 65 e 75 da decisão recorrida, transcritos supra no n.º 4), importa considerar especialmente as leis interpretativas materialmente retroativas. Como se explicou no Acórdão n.º 267/17, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, pode em certo sentido falar-se de uma retroatividade formal inerente a toda a lei interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior – cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. idem , ibidem , p. 247).    Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroa- tiva apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material. 7. É o que se verifica em relação à norma objeto do presente recurso: de acordo com a interpretação feita na decisão recorrida, a solução normativa resultante da conjugação dos n. os 1, alínea e) , e 7, do artigo 7.º do CIS, con- sagrada na sequência do aditamento do citado n.º 7 pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 é inovadora e aumenta a coleta de Imposto do Selo devida, ou seja, agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum devido a título daquele Imposto. A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da referida Lei n.º 7-A/2016 prevista no seu artigo 154.º torna-a, por conseguinte, substancialmente retroativa e, nessa mesma medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme men- cionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela genera- lidade dos tribunais. No caso sub iudice , contudo, inexistem razões para afastar a caracterização como inovadora da solução norma- tiva resultante da conjugação dos n. os 1, alínea e) , e 7, do artigo 7.º do CIS, consagrada na sequência da alteração introduzida nesse Código pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016. A decisão recorrida fundamentou devidamente tal caráter inovador. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=