TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 40. A razão de ser do procedimento seguido pelo Estado é simples: a sociedade Águas de Portugal, integral- mente detida pelo Estado, e sócia maioritária da Sociedade Águas do Mondego, não estava, nem está em condições de deliberar, só por si a referida extinção. 41. De forma que o Governo, para alcançar um fim para o qual não detinha meios de acordo com a lei aplicá- vel, decidiu passar por cima dessa lei e por ato formalmente legislativo, pôr termo à sociedade. 42. Essa atuação tem a consequência da violação das citadas normas do Códigos das Sociedades Comerciais que visam proteger as minorias, bem como a violação dos direitos societários dos seus acionistas de votarem a favor ou contra essa deliberação. 43. Verifica-se, assim, que o Governo utilizou o Decreto-Lei n.º 92/2015 com o propósito de contornar a dificuldade de, por via de deliberação da assembleia geral da sociedade, obter o resultado desejado pelo Estado que, sendo titular da maioria do capital social, não possuía, porém, a maioria qualificada que lhe permitisse, à luz da lei comercial destinada a proteger os sócios minoritários, alcançar o propósito de extinguir a sociedade concessionária: há aqui uma situação de desvio de poder quanto ao procedimento usado, reconduzível a uma inconstitucionali- dade do ato legislativo formal. 44. O Governo usou o Decreto-Lei n.º 92/2015 como meio destinado a desconsiderar ou derrogar uma regra legal de proteção de direitos dos sócios minoritários: a exigência de respeito por uma maioria de dois terços do capital para certas deliberações sociais funciona como limite ou travão decisório à vontade do sócio maioritário. 45. O Governo substituiu-se, assim, à assembleia geral da sociedade comercial Águas do Mondego, decidindo o que a esta última competia, determinando a extinção da sociedade, a extinção do contrato de concessão e a transfe- rência global do seu património para uma nova sociedade comercial, numa ação violadora de direitos fundamentais desta sociedade e dos seus acionistas, os quais são oponíveis ao Estado. 46. A possibilidade reconhecida pela ordem jurídica de serem criadas sociedades pluripessoais de capitais públi- cos, por via de decreto-lei, não pode ser usada para proceder à sua extinção em violação das regras estatutárias e das normas legais disciplinadoras da maioria qualificada para a dissolução de tais sociedades – se assim for feito, num gesto de fraude à lei e aos estatutos, atendendo à força de lei de que gozam os decretos-leis, há uma utilização indevida deste ato legislativo. 47. A conduta do Governo revela-se violadora do direito fundamental à autonomia de gestão da própria sociedade concessionária, integrantes da liberdade de iniciativa económica privada, assim como do seu direito de propriedade, e ainda do seu direito de audiência prévia da sociedade concessionária, argumentos que geram a invalidade da decisão de proceder à [sic] da Sociedade Águas do Mondego ex vi os artigos 2.º, 61.º, 62.º, n.º 2 e 267.º, n.º 5 da Constituição. 48. A presente conduta legislativa-administrativa do Estado, servindo-se de meios de autoridade sempre que não consegue fazer valer os seus pontos de vista societários por via dos meios da lei comercial, mostra-se passível de lesar gravemente o sistema jurídico na sua globalidade: estamos diante de um ato de autoridade do Governo que se revela fora do quadro axiológico de um Estado de direito constitucional baseado numa economia social de mercado. 49. Uma tal desadequação teleológica do diploma em crise nos autos, tendo por base a circunstância de o ato ter como motivo principalmente determinante a prossecução de um fim que não corresponde ao que a Consti- tuição define para o exercício da competência em causa, consubstancia uma situação de inconstitucionalidade finalística – cfr. Paulo Otero, Direito Constitucional Português, II, Coimbra, 2010, p. 435. 50. Estamos, assim, perante uma violação dos princípios da proibição do arbítrio, da boa-fé, da segurança jurídica e da tutela da confiança na atuação contratual Estado sujeita ao Direito Privado como refere o Professor Paulo Otero no Parecer que se junta – cfr ainda, por todos, o artigo 2.º da Constituição. 51. O Estado não pode, pois, uma vez vinculado à lei comercial e perante uma norma estatutária que confere à assembleia geral da sociedade concessionária o poder de deliberar sobre todos os assuntos que não sejam da competência de outros órgãos sociais, derrogar tais normas gerais, substituindo-se ao órgão societário competente.

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