TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
255 acórdão n.º 621/17 9. Na sua contra-alegação, o Ministério Público pugna pelo não conhecimento do objeto do recurso, argumentando que «a delimitação da interpretação normativa aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, configurada pelo recorrente, potenciando a indefinição terminológica do legislador da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, acaba por obnubilar parte das normas efetivamente aplicadas por aquele Tribunal Superior no douto aresto impugnado, nomeadamente as ínsitas nos n. os 1, 2, 4 e 7, do artigo 16.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e, principalmente, as contidas no artigo 17.º deste diploma legal e no artigo 179.º do Código de Processo Penal». Em suma, entende que a norma sindicada pelo recorrente não constitui ratio decidendi da decisão recorrida. Trata-se de uma questão prévia ao conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre apreciá-la preliminarmente. 10. O primeiro problema a resolver é o de saber se, tendo sido deferida reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n. os 3 a 5, da LTC, no sentido de se dever tomar conhecimento do objeto do recurso – ainda que apenas quanto a uma das normas sindicadas pelo recorrente – pode subsequentemente o Tribunal decidir não conhecer desse objeto, com fundamento diverso daquele que tenha estado na base da decisão da conferência e que não tenha sido por ela apreciado. Posta de outra forma, a questão é a de saber se o deferimento da reclamação para a conferência de decisão sumária do relator, no sentido do não conhe- cimento do objeto do recurso, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso. Ao contrário do que ocorre nos casos de reclamação do despacho de não admissão ou retenção da subida do recurso de constitucionalidade, em que a lei expressamente determina que a decisão de deferimento faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso – artigo 77.º, n.º 4, da LTC –, nos casos de reclamação de decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso proferida pela relator, apresentada nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, o efeito de caso julgado apenas se forma quanto ao fundamento que tenha sido apreciado pela conferência, não ficando precludidos os poderes cognitivos do Tribunal quanto a outros fundamentos que possam obstar ao conhecimento do objeto do recurso. Para além do respaldo na letra da lei, tal solução corresponde a um princípio geral de processo civil – a matriz dos recursos de constitucionalidade (vide o artigo 69.º da LTC) –, no que diz respeito aos limites objetivos do caso julgado, o qual encontra expressão na parte inicial do n.º 3 do artigo 595.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o despacho saneador apenas faz caso julgado quanto às «questões concre- tamente apreciadas». E essa disposição é aplicável, por igualdade de razão, no âmbito dos recursos, no sentido de determinar que a decisão do relator sobre o não conhecimento do objeto do recurso, segundo o disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil, apenas faz caso julgado quanto aos concretos fundamentos apreciados, não precludindo a possibilidade de o coletivo conhecer de fundamentos diversos. Daí decorre que a solução consagrada no artigo 77.º, n.º 4, da LTC, constitui um regime excecional – um ius singulare –, cujo âmbito de aplicação se contém nos limites da disposição legal expressa. Nada obsta, pois, à apreciação da questão prévia colocada pelo Ministério Público. 11. Nas alegações produzidas neste Tribunal, o recorrente afirma que «sempre que se ordena uma pes- quisa genérica ao conteúdo de um computador, aquela vai abranger, pelo menos, também o correio eletró- nico e o seu conteúdo. Um varrimento informático ao disco rígido de um computador abrange tudo – como surge implícito da palavra genérica.» E acrescenta ainda que «por via da autorização do MP, o computador de um cidadão, pode ser pesquisado sem ordem de um juiz em todo o seu conteúdo informatizado, incluindo mensagens de correio eletrónico.» Depreende-se destas palavras que o recorrente atribui à norma sindicada um alcance objetivo considera- velmente mais extenso do que o da norma que constitui o fundamento da decisão recorrida. No seu entender, a questão de constitucionalidade diz respeito ao facto de uma «pesquisa genérica» abranger todo o conteúdo do sistema informático, nomeadamente o correio eletrónico que nele se encontre armazenado. Tal entendimento assenta no pressuposto de que a pesquisa permite o acesso ao conteúdo de correio eletrónico, na medida em
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