TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
253 acórdão n.º 621/17 atos que se prendem diretamente com direitos fundamentais para os quais a garantia da jurisdição é, por força da Constituição, essencial e a intervenção de juiz necessária. 81. A esta interpelação teremos que dar, necessariamente, uma resposta negativa. Nem sempre, quando uma busca ou, neste caso, uma pesquisa de dados informáticos é ordenada, é configurável, porque necessária, a ofensa de direitos fundamentais, uma vez que os dados informáticos contidos no sistema não têm que, obrigatoriamente, estar relacionados com quaisquer informações cujo conhecimento ou divulgação se revelem suscetíveis de violar a liberdade, a segurança ou a reserva da intimidade da vida privada dos seus proprietários, meros detentores ou ter- ceiros, nem têm, igualmente, que resultar de qualquer troca de correspondência ou de outro tipo de comunicação. 82. Efetivamente, um computador pessoal, ou qualquer outro sistema informático, ao contrário do que é afir- mado pelo recorrente, nas suas doutas alegações, pode não se encontrar apetrechado para realizar qualquer troca de correspondência; estando apetrechado para tal, pode não conter qualquer mensagem efetivamente recebida ou enviada; e, ainda assim, mesmo contendo mensagens recebidas, podem tais mensagens resultar de emissões, por vezes automáticas, dirigidas a uma pluralidade de destinatários com maior ou menor grau de indeterminação, não resultando de relações intersubjetivas determináveis e, consequentemente, não protegidas pelo princípio da prote- ção da reserva da intimidade da vida privada. 83. Consequentemente, no momento em que é ordenada a pesquisa aos dados informáticos, especificados e determinados mas não invasivos da liberdade, da segurança e da reserva de intimidade da vida privada de quaisquer cidadãos, armazenados num sistema informático, poderá não ser perspectivável, desde logo, que, no decurso da busca, venham a ser encontrados mensagens de correio eletrónico, registos de comunicações de natureza seme- lhante ou quaisquer dados cujos acesso e divulgação se revelem suscetíveis de lesar aqueles bens constitucional- mente protegidos, não havendo, consequentemente, razão jurídica plausível para que a mesma seja, inevitavel- mente, ordenada por um juiz. 84. Em face do exposto, será fácil concluirmos que o legislador ordinário configurou a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – e foi assim que o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal a quo , a interpretou no caso vertente –, de modo a que, se no decurso de uma pesquisa – ou seja, de uma busca – visando obter dados informáticos armaze- nados num sistema informático, vierem a ser encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz possa autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal, de acordo com o disposto no artigo 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro. 85. Procurando sintetizar, quanto à matéria sob escrutínio, o modelo de regulação criado pela Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, diremos que quando, tendo em vista a descoberta da verdade, se tornar necessário à produção de prova, obter dados informáticos específicos e determinados armazenados num identificado sistema informá- tico, a autoridade judiciária competente, nomeadamente o Ministério Público, autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema informático, de acordo com o disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro. 86. Todavia, nos termos do plasmado nos artigos 16.º, n.º 3; e 17.º, da referida Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, “caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de reve- lar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro” ou “[q]uando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante”, não dispensa o legislador da Lei do Combate ao Cibercrime, a intervenção do juiz das liberdades com vista a, respetivamente, e em defesa dos princípios e interesses constitucionalmente protegidos, ponderar a sua junção aos autos ou, autorizar ou ordenar a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.
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