TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
252 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 72. O referido artigo 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, visa proteger o sigilo da corres- pondência, impedindo a interferência das autoridades públicas no processo de transmissão de informação privada entre pessoas determinadas, a menos que tais interferências se encontrem previstas na lei em matéria de processo criminal. 73. Acontece que, no caso vertente, para além de desconhecermos a natureza de todos os dados informáticos armazenados no computador pesquisado, ainda que admitíssemos que neles se contêm conteúdos de correio ele- trónico – desde que não aberto (único suscetível de integrar o conceito de correspondência protegido pelo disposto no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa) – não poderíamos deixar de concluir que – admi- tindo a proteção constitucional a exceção da ingerência na correspondência desde que prevista em lei de natureza processual penal –, porque a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, contém regulação no domínio processual penal, se encontra o legislador ordinário mandatado para, desde que obedecendo ao princípio da proporcionalidade, restringir o direito ao sigilo da correspondência. 74. Sintetizando o acabado de expender, não há, no caso vertente, violação do prescrito no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, não só porque a restrição de direitos se encontra prevista constitucio- nalmente mas, igualmente, porque a mesma não é desproporcional e, para além disso, se desconhece, sequer, no presente caso, se estão em causa dados informáticos suscetíveis de integrarem o conceito de correspondência pro- tegido pelo Texto Fundamental. 75. Aqui chegados, procuraremos afastar, igualmente, enquanto parâmetros pertinentes de enquadramento e validação da interpretação normativa contestada nos presentes autos, os princípios contidos, quer no artigo 32.º, n.º 8, quer no artigo 35.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, convocados pelo recorrente, para nos focarmos, a final, na análise da compatibilidade da aludida interpretação com o proclamado no artigo 32.º, n.º 4, do Texto Fundamental. 76. No que toca ao plasmado no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, cuja violação o recorrente imputa à interpretação normativa resultante da conjugação entre o disposto nos artigos 11.º, n.º 1, alínea c) e 15.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, supostamente aplicada pelo Supremo Tribu- nal de Justiça, apenas diremos que o seu âmbito de aplicação é, no fundamental, não o da proibição dos elencados meios de prova – os quais se encontram vedados por força, e nos termos, do disposto nos artigos 24.º a 26.º e 32.º, da Constituição – mas o da utilização das provas obtidas por esses meios, cuja nulidade é, ipso jure, declarada. 77. Ou seja, os princípios proclamados no n.º 8 do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, embora relacionados com os efeitos jurídicos da utilização processual de meios de prova proibidos, não são invocá- veis enquanto parâmetros de aferição da constitucionalidade dos meios de prova suscetíveis de utilização processual. 78. Também o artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o seu n.º 4 (único cuja pertinência pode ser invocável por apresentar alguma relação com o presente dissídio), se nos afigura insuscetível de convocação para o apuramento da compatibilidade constitucional da interpretação normativa contestada pelo recorrente, uma vez que, apesar de proclamar a proibição de acesso a dados pessoais de terceiros (e, relembremo-lo, desconhecemos se, no caso vertente, algum dado pessoal de terceiro, foi acedido pelas autoridades judiciárias), a densificação de tal proibição é, mais uma vez, remetida para a lei ordinária, designadamente para a Lei do Combate ao Cibercrime, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro. 79. Consequentemente, vemo-nos forçados a concluir, em face do que acabámos de expor, que nenhum dos parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente para sustentar a tese da imputação da violação constitucional à interpretação normativa resultante da conjugação entre o disposto nos artigos 11.º, n.º 1, alínea c) e 15.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, se revela lesado por tal interpretação da lei ordinária. 80. Ainda assim, não deixaremos de procurar apurar se esta interpretação normativa dos mencionados preceitos da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, se revela, eventualmente, violadora do prescrito no n.º 4, artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, congruentemente com o que explanámos anteriormente, tentando perce- ber se qualquer pesquisa de dados informáticos ou, mais especificamente, qualquer busca num computador pessoal (sistema informático aqui em causa), deve ser autorizada por um juiz, por se entender que sempre estarão em causa
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