TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
25 acórdão n.º 707/17 24. Nessa sociedade os municípios seus acionistas detêm as participações referidas no artigo 5.º dos Estatutos da Sociedade aprovados pelo referido Decreto-Lei n.º 172/2004. 25. O Decreto-Lei n.º 92/2015, de 29 de maio, i) extingue a sociedade Águas do Mondego – cfr. artigo 4.º, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 –, ii) cria a sociedade Águas do Centro Litoral S.A. – cfr., v. g. artigo 4.º, n.º 1 –, iii) extingue o sistema multimunicipal do Baixo Mondego-Bairrada – cfr. artigos 2.º, n.º 2 e 4.º, n.º 4 –, iv) cria o sistema mul- timunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Centro Litora1 de Portugal – cfr. artigo 1.º, n.º 1 –, v) extingue o contrato de concessão do sistema multimunicipal do Baixo Mondego-Bairrada – cfr. artigo 2.º, n.º 7 –, vi) atribui à sociedade Águas do Centro Litoral a concessão da exploração e da gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Centro Litoral de Portugal – cfr. artigos 1.º, n.º 2, 9.º e 10.º – e vii) e convoca a Assembleia Geral da Sociedade Águas do Centro Litoral – cfr. artigo 33. A) Inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2015: a decisão de proceder à extin- ção da sociedade Águas do Mondego, S.A. 26. A decisão de extinguir a sociedade referida foi tomada unilateralmente por ato formalmente legislativo do Governo, contra e, ou independentemente da vontade dos seus acionistas. 27. A intervenção do Estado sobre a empresa concessionária Águas do Mondego por via do Decreto-Lei n.º 92/2015, procedendo à sua extinção e à transferência do seu património para uma nova sociedade criada, sus- cita problemas de validade jurídica procedimental e substantiva, atendendo à sua natureza formalmente legislativa e ao seu conteúdo material administrativo. 28. A criação da sociedade Águas do Mondego obteve para o efeito a prévia anuência dos vários municípios participantes na sociedade. 29. É, pois, possível dizer-se que o ato constitutivo da sociedade Águas do Mondego é um ato constitutivo de direitos: dos direitos dessa mesma sociedade e dos direitos dos seus acionistas. 30. As sociedades gestoras dos sistemas multimunicipais – como acontece com a sociedade Águas do Mondego – são sociedades plurianuais de capitais públicos. 31. Tal significa que nos deparamos com sociedades que assentam internamente num relacionamento plurisub- jectivo ao nível dos titulares do seu capital social, seguindo dois aspetos estruturantes. 32. Por um lado, o Estado, apesar de ser sócio maioritário, não pode deixar de respeitar as posições subjetivas tituladas pelos municípios que são, igualmente, titulares de participações sociais. 33. Por outro lado, os sócios minoritários de uma sociedade comercial possuem direitos que não podem ser desprezados ou marginalizados pelo sócio minoritário, havendo aqui uma dimensão de indisponibilidade das situações jurídicas dos sócios minoritários. 34. Assim, apesar da natureza pública da totalidade do capital social da sociedade Águas do Mondego, o certo é que existem diferentes titularidades e, por conseguinte, diferentes interesses públicos a acautelar e a harmonizar: os municípios prosseguem interesses públicos diferentes dos interesses públicos protagonizados pelo Estado. 35. Além disso, a própria sociedade concessionária, enquanto entidade coletiva distinta dos seus sócios, possui uma personalidade jurídica própria e prossegue fins próprios; os sócios são titulares do capital social da sociedade, que não podem confundir-se com os da sociedade comercial em causa. 36. A intervenção do Governo foi tomada em violação das regras constantes do Código das Sociedades Comer- ciais sobre a extinção das sociedades anónimas. 37. Com efeito, de acordo com o Código das Sociedades Comerciais a extinção de uma sociedade obedece ao procedimento previsto nos artigos 141.º, 464.º, n.º 1, 383.º, n.º 2 e 386.º relativos à respetiva dissolução e 146.º e segs. respeitantes à sua liquidação. 38. Estas regras existem, designadamente, para proteger os sócios minoritários: de facto, tendo os sócios apor- tado para a sociedade o capital, é normal que a respetiva extinção, que poderá passar pela perda desse valor, tenha que ser deliberada por uma maioria significativa dos sócios. 39. No caso em apreço verifica-se que o procedimento previsto no Código das Sociedades Comerciais foi, pura e simplesmente, pulverizado pelo Governo, que decidiu extinguir a sociedade por Decreto.
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