TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

243 acórdão n.º 620/17 Com efeito, entendeu-se que o recorrente estava adstrito ao ónus de suscitar a questão de constitucio- nalidade no momento do recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de junho de 2016, e não apenas no momento processual subsequente, em que reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho de não admissão do recurso, proferido em 8 de novembro de 2016. A razão de ser de tal entendimento prendeu-se com o facto de ser perfeitamente previ- sível, para o recorrente, que o Tribunal da Relação de Lisboa viesse a não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, atento o teor do disposto nos artigos 45.º, n. os 5 e 6, do Código de Processo Penal (adiante referido pela sigla «CPP»). 6. Na reclamação da Decisão Sumária, vem o recorrente, ora reclamante, argumentar que recorreu da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa ao abrigo do artigo 399.º do CPP, pelo que a aplicação pelo mesmo Tribunal, no despacho de não admissão, do artigo 45.º, n.º 6, do mesmo diploma, constituiu uma decisão surpreendente. Acrescenta ainda que o momento da suscitação da questão de constitucionalidade ─ a recla- mação, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do despacho de não admissão proferido pelo Tri- bunal da Relação de Lisboa ─ foi processualmente adequado, à luz do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. 7. O primeiro argumento em que o recorrente sustenta a sua reclamação, o de que foi surpreendido pela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não admitir o recurso, é manifestamente improcedente. Com efeito, o artigo 399.º do CPP, ao abrigo do qual alega ter recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça (ape- sar de não o referir na alegação do recurso, como se constata lendo as fls. 28 e seguintes dos autos), consagra a recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei; e dá-se o caso de a lei prever, expressa e inequivocamente, no artigo 45.º, n.º 6, que a decisão do incidente de recusa é irrecorrível. Dado o teor destes preceitos, a surpresa do recorrente com a não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a ter ocorrido, apenas pode ter ficado a dever-se à sua incúria, o que de modo algum justifica a inobservância do ónus estabelecido pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC. 8. No entanto, assiste razão ao recorrente quando afirma ─ o que constitui outro argumento para a recla- mação ─ que o momento em que suscitou a questão de constitucionalidade foi o processualmente adequado. O artigo 72.º, n.º 2, da LTC, determina que os recursos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC «só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade… perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.» Ora, a decisão recorrida é o despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de novembro de 2016, que confirmou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não admitir o recurso do acórdão de 6 de junho de 2016. No impulso processual que originou a prolação dessa decisão, o recorrente suscitou a questão de constitucionalidade relativa ao n.º 6 do artigo 45.º, questão essa sobre a qual se pro- nunciou o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça no despacho recorrido e que constitui o objeto do recurso para o Tribunal Constitucional. A função do pressuposto processual consagrado no n.º 2 do artigo 72.º da LTC é a de assegurar a natu- reza subsidiária da intervenção do Tribunal Constitucional num sistema ─ como é o português, em virtude do disposto no artigo 204.º da Constituição ─ misto de controlo da constitucionalidade. Trata-se de um sistema em que a primeira linha de defesa judicial da Constituição é confiada aos tribunais comuns, cabendo à jurisdição constitucional a competência de última instância de controlo e não, como nos sistemas de controlo concentrado, de instância única. É essencial ao funcionamento de um sistema dessa natureza que, ressalvados casos excecionais, o acesso ao Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização concreta revista a forma de um recurso incidente sobre uma decisão jurisdicional de uma questão de constitucionalidade, o que implica a necessidade de o tribunal a quo ser confrontado pelo recorrente com essa questão no momento imediatamente anterior ao da prolação da decisão recorrida.

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