TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpretação adequados em face dos cânones hermenêuticos normalmente utilizados na interpretação da lei) – tarefa que caberia ao Supremo Tribunal de Justiça através de um acórdão uniformizador de jurisprudência – mas apenas, conforme a sua função de Tribunal que conhece de questões de natureza jurídico-constitu- cional, apreciar a constitucionalidade de uma das teses: a que defende que a aplicabilidade da declaração de contumácia à pena de prisão subsidiária padece de inconstitucionalidade, por restrição desproporcionada do direito fundamental do sujeito condenado à capacidade civil (artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP)». Os recursos de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional decorrentes da desaplicação judicial de uma norma, nos termos do artigo 204.º da Constituição, são intrinsecamente diferentes da alegação por um recorrente da inconstitucionalidade de uma norma. Desde logo porque no primeiro caso já ocorreu um juízo prévio no sentido da inconstitucionalidade por parte de um órgão judicial, mas também porque resulta da Constituição uma diferença de regimes relativos aos recursos previstos na alínea a) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º Os recursos de decisões que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade são obrigatórios para o Ministério Público (artigo 280.º, n.º 3, da CRP) e a lei não exige, como requisito prévio, o esgotamento dos recursos ordinários. O facto de, no caso dos recursos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição, não ser legalmente exigido o esgotamento dos recursos ordinários levanta uma questão importante para o presente processo e que foi decisiva para optar pelo conhecimento. É que, podendo ainda haver recurso, é impossível afirmar que sempre irá subsistir um fundamento diferente ao do julgamento da inconstitucionalidade, pois este pode ser abandonado pela instância superior. Isto significa que, neste caso, tratando-se de uma decisão de um tribunal de primeira instância que é recorrível, existe a possibilidade de esta ser revista e alterada em sede de segunda instância, nomeadamente quanto ao fundamento alternativo que justificaria o atual não conhecimento da questão de constitucionalidade. Este regime não permite que se afirme com segurança, tal como fez o Acórdão que obteve vencimento, que existe inutilidade no conhecimento do recurso já que subsiste a controvérsia entre as partes quanto ao fundamento alternativo, podendo este vir a ser afastado. O conhecimento do recurso não pode, assim, estar condicionado pela subsistência do interesse das partes ou pela efetiva repercussão do julgamento de inconstitucionalidade no sentido decisório da sentença recorrida. No caso deste tipo de recursos, assume predominância uma dimensão de tutela objetiva da Cons- tituição, desligada de considerações particulares de utilidade processual. Para além destas considerações, a possibilidade de o Tribunal Constitucional conhecer desde já da questão de constitucionalidade conduz a uma célere resolução da questão, no âmbito do processo, logo a uma maior segurança jurídica e efetividade de aplicação da Constituição. Por último, se for de confirmar o julgamento de inconstitucionalidade, a decisão do Tribunal Constitu- cional permite a sua melhor divulgação genérica no meio judicial e contribui para o eventual acionamento do mecanismo previsto no artigo 281.º, n.º 3, da Constituição, permitindo a fiscalização abstrata da consti- tucionalidade da norma e a igualdade entre todos os cidadãos que se encontrem no domínio de aplicação da norma que vier a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral, resultado que não é possível de atingir se a tarefa for deixada a uma interpretação conforme à Constituição efetuada pelos tribunais comuns. É que, não sendo esta vinculativa, sempre haverá cidadãos em situações idênticas a serem tratados de forma diferente, e tratando-se de questões de direitos fundamentais deve ser o Tribunal Constitucional a decidi-las e não os tribunais competentes para proferir acórdãos uniformizadores de jurisprudência. Por todos estes motivos reitero a minha convicção de que, por força do princípio da separação e inter- dependência dos poderes, a desaplicação de uma norma legal pelos tribunais, fundada num juízo de incons- titucionalidade (artigo 204.º da Constituição), não pode deixar de ser apreciada, em última instância, pelo Tribunal Constitucional, como árbitro último da legitimidade constitucional da desaplicação judicial de norma.
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