TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

233 acórdão n.º 618/17 A decisão de inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, 1999, p. 331; Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional , Almedina, 2010, p. 73). No projeto originário, afirmei o seguinte: «Poderá colocar-se, ainda, a questão de saber se é útil conhecer do mérito do presente recurso, atendendo à circunstância de a invocada inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada, corresponder, na economia argumentativa do tribunal a quo, a um dos fundamentos da não aplicação, no caso concreto, mas não configurar fundamento exclusivo». Entendemos, com apoio na jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos n. os  256/04, 40/11 e demais arestos aí citados) que a resposta a tal questão deve ser afirmativa. Neste sentido, se pronunciou o Acórdão n.º 40/11: «Este Tribunal tem vindo a entender que, face à função instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, não deve conhecer dos recursos de constitucionalidade quando a decisão recorrida comporte um fundamento alternativo, estranho ao objeto do recurso e suficiente para suportar o sentido da decisão. No entanto, este é um entendimento desenvolvido no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para os quais é pressuposto, além do mais, que o recorrente haja esgotado todos os recursos ordinários à sua disposição (cfr. o artigo 70.º, n. os 2 a 6, da LTC). O recurso interposto ao abrigo da alínea a) do citado n.º 1 do artigo 70.º apresenta especificidades de regime, decorrentes da singularidade da situação gerada com a desaplicação por inconstitucionalidade, as quais, em nosso juízo, impedem a transposição daquele entendimento para o seu âmbito (porém, em sentido contrário, cfr., desig- nadamente, os Acórdãos n. os 584/09 e 282/10). Quando um tribunal recusa a aplicação de certa norma com fundamento em inconstitucionalidade está, com isso, a contrariar uma decisão de um órgão constitucionalmente dotado de poder legislativo. A situação suscita um interesse objectivo do ordenamento jurídico numa resolução rápida desse “conflito entre o poder judicial e o poder legislativo”, evitando que subsistam decisões judiciais de recusa de aplicação de normas, com fundamento em inconstitucionalidade, sem que esse juízo de inconstitucionalidade seja, de forma certa (independentemente da interposição do recurso de parte) e imediata, sindicado pelo Tribunal Constitucional, enquanto “garante” último da Constituição. Daí que seja atribuída legitimidade ao Ministério Público para interpor recurso, sendo este obrigatório (artigo 72.º, n.º 3, da LTC) e admitido sem prévia exaustão dos recursos ordinários (cfr., a contrario , o n.º 2 do artigo 70.º da LTC). Assim, quaisquer fundamentos alternativos que eventualmente sustentem – em paralelo com o juízo de incons- titucionalidade – o sentido da decisão recorrida, são fundamentos ainda não consolidados na ordem jurisdicional respectiva, uma vez que estão sujeitos a recurso ordinário e eventual posterior revogação. Não é, por isso, possível formular, com a segurança necessária, um juízo de prognose no sentido da manutenção do sentido da decisão com base em tais fundamentos alternativos. Em consequência, nos recursos ao abrigo da alínea a) , a utilidade processual deve ser medida, como mais desen- volvidamente se sustenta no Acórdão n.º 256/02, pela projecção da decisão «(…)sobre o desfecho da acção, e não restritamente sobre a concreta decisão judicial recorrida, quando esta não é a decisão definitiva. Isto é: a utilidade processual é susceptível de ser aferida relativamente ao processo (à causa), não se reportando apenas à decisão recor- rida)» − no mesmo sentido, já anteriormente, o Acórdão n.º 159/93, e, mais recentemente, os Acórdãos n. os 42/08 e 162/09. Pelo menos quando a decisão recorrida não for definitiva, não se requer que a inconstitucionalidade seja o fundamento único, nem sequer decisivo, da decisão: «basta que a desaplicação da norma tenha sido relevante para a decisão da causa, tenha estado entre os motivos que levaram o tribunal recorrido a proferir a decisão que proferiu» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra, 2010, p. 946)». Não cabe ao Tribunal Constitucional, neste processo de fiscalização concreta da constitucionali- dade, tomar partido entre as duas teses jurisprudenciais em confronto (ambas assentam em elementos de

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