TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

232 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida. Como relatora originária apresentei na 3.ª Secção Projeto de Acórdão quanto ao mérito, o qual não obteve vencimento, em virtude de a maioria ter entendido que não estavam preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade do recurso.  Cumprido o ordenado pelo artigo 663.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi o artigo 69.º da LTC, procedeu- -se a mudança de relator. Apresento agora, na declaração de voto, a posição defendida nesse projeto quanto à questão da admissi- bilidade do recurso e quanto ao mérito. I – Da admissibilidade do recurso Segundo a posição que agora fez vencimento, a da não admissibilidade do recurso, a decisão recorrida não constitui uma efetiva desaplicação da norma por inconstitucionalidade, surgindo a invocada violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição (CRP), como um mero elemento de interpretação, mas não como o fundamento da decisão, concluindo que a decisão recorrida não recusou efetivamente a aplica- ção da norma, porque não se considerou o regime da contumácia como aplicável aos condenados em pena principal de multa convertida em prisão subsidiária. É digno de nota que entraram no Tribunal Constitucional outros recursos de constitucionalidade, inter- postos pelo MP, sobre a norma questionada neste processo e baseados em decisões recorridas exatamente iguais à do caso vertente, e que foram aceites pela 2.ª Secção (Acórdão n.º 237/17) e pela 1.ª Secção (Acór- dãos n. os 416/17, 417/17 e 419/17), que se pronunciaram pela não inconstitucionalidade da norma, embora sem ter em conta o regime aplicável da interrupção/suspensão da prescrição da pena.  Na verdade, uma correta análise da decisão recorrida, confirmada pelo próprio dispositivo da mesma, que contém um juízo explícito de inconstitucionalidade – «Do exposto, julgo inconstitucional, por ofensa às disposições dos artigos 18.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, da CRP, a aplicação do disposto nos artigos 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, alínea x), do CEP, na redação legal vigente, ao presente caso, ao qual foi imposta, a título prin- cipal, a pena de multa que, pela seu não pagamento deu origem a decisão determinante do cumprimento da correspondente prisão subsidiária, pelo que determino o arquivamento dos autos.» – conduz à conclusão de que estamos perante uma desaplicação efetiva da norma, cuja aplicabilidade ao caso se equaciona, mas que se rejeita, por ser desconforme à Constituição, violando os artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, ambos da CRP. A referência à violação das normas constitucionais foi o fundamento decisivo ou a ratio decidiendi da solução encontrada e não um mero obiter dictum ou um mero argumento ad ostentationem em matéria de inconsti- tucionalidade. O facto de terem sido invocados, pela decisão recorrida, argumentos ligados à interpretação do direito ordinário e a construções dogmáticas em torno da natureza da sanção em causa não impede que o critério decisório, cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade, se revista de generalidade e abstração e assente decisivamente em razões de colisão com a Constituição. Na economia da decisão recorrida, o juízo sobre a ilegitimidade constitucional da norma foi a causa da exclusão da sua aplica- ção e não um mero apoio ou confirmação de um sentido normativo já sugerido pelos restantes elementos de interpretação. De resto, é vasta a jurisprudência deste Tribunal que, de forma mais ampla, equipara a rejeição de certo (ou certos sentidos) possíveis da norma, por inconstitucionalidade, ao conceito de recusa de aplica- ção (Acórdãos n. os 137/85, 398/89, 41/95, 500/96, 172/96, 1020/96, 524/97, 319/00, 219/02, 195/98 e 51/09). A doutrina também revela uma posição flexível, entendendo que não deve considerar-se «necessário que a interpretação conforme à Constituição adoptada pelo tribunal a quo seja uma interpretação ab-rogante ou corretiva da lei ou uma interpretação restritiva contrária ao entendimento que a doutrina e a jurisprudên- cia, secundadas por uma prática constante, deram à norma em causa», bastando, para ser admissível o recurso com base na alínea a) , que o juízo de inaplicabilidade de certa interpretação inconstitucional se não funde, «única ou primacialmente», no princípio da interpretação conforme à Constituição (cfr. Rui Medeiros,

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