TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

229 acórdão n.º 618/17 20.ª As normas contidas nesse artigo «condensam os princípios fundamentais de uma doutrina ou teoria geral de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente adequada». 21.ª Dispõe o n.º 2: «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previs- tos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». 22.ª Ou seja: «Para que a restrição seja constitucionalmente legítima, torna-se necessária a verificação cumula- tiva das seguintes condições: (a) que a restrição esteja expressamente admitida (…) pela Constituição, ela mesmo (n.º 2, 1.ª parte); (b) que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (n.º 2, in fine ); (c) que a restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta para o efeito e se limite à medida necessária para alcançar esse objetivo (n.º 2, 2.ª parte);(…)». 23.ª E, relativamente ao segundo pressuposto material enunciado: tal restrição legítima «consiste em que ela só pode se justificar para salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (n.º 2, in fine ). Este requisito – constitucionalmente explicitado apenas na revisão constitucional de 1982 – significa fun- damentalmente que o sacrifício, ainda que parcial, de um direito fundamental, não pode ser arbitrário, gratuito, desmotivado (…)». 24.ª O art. 26.º, n.º 1 da Constituição, entre os direitos de personalidade (direitos pessoais) enumerados que gozam de proteção constitucional, consigna o direito à capacidade civil – é precisamente a ofensa ilegítima de tal direito que, na economia do Despacho recorrido, nuclearmente funda o juízo de inconstitucionalidade. 25.ª No que respeita à anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a decla- ração (n. os 2, in fine e 3 do art. 337.º do CPP), aos dessa natureza restringidos, porventura a ocorrer tal situação hipotética, em vista da anterior condenação do visado e no limite do montante da multa não paga (bem como dos acréscimos legalmente devidos), tal medida, para mais dependente de nova decisão judicial, legitimamente – e reforçadamente portadora de garantismo – se adequará à situação em causa. 26.ª Restam a medida, o conjunto de medidas previstas no n.º 3 do art. 337.º do CPP, delas mostrando-se naturalmente prejudicada a oportunidade do arresto, previsto na parte final – medida, todavia, nos termos expres- sos no mesmo preceito legal, que só deverá (poderá) ser decretada se se mostrar necessária. 27.ª Assim sendo, e restringindo-se a incidência invocadamente inconstitucional da aplicação dos arts. 97.º, n.º 2 e 138.º, n.º 4, alínea x) do CEP à medida prevista no n.º 3 do art. 337.º do CPP, caberia singelamente ao Exmo. Juiz a quo, ao proferir a declaração de contumácia, não decretar a medida em causa, como legalmente lhe era facultado. 28.ª Fica-se sem saber, no caso dos autos, se a medida prevista no n.º 3 do art. 337.º do CPP se mostraria necessária, nada a esse respeito sendo dito no Despacho recorrido. 29.ª Não está aqui em causa a constitucionalidade do próprio instituto da contumácia – que, nos termos pre- vistos nos citados arts. 335.º a 337.º do CPP, desde logo tem aplicação na fase processual anterior à prolação da sen- tença condenatória, e do respetivo trânsito, em que o arguido beneficia da presunção constitucional de inocência. 30.ª Não constitui igualmente objeto do presente recurso a constitucionalidade da conversão da multa não paga em prisão subsidiária – determinada no processo por despacho transitado em julgado – instituto em si mesmo considerado, ou nas diferentes dimensões que o seu regime atual comporta. 31.ª Os efeitos processuais penais implicados na declaração de contumácia, na situação típica dos autos, são insuscetíveis de provocar qualquer constrição de direitos, sequer alguma inovação, na esfera jurídica do visado: este apresenta-se processualmente com o estatuto de condenado. Tem sobre ele mandados de captura pendentes, orde- nados por despacho judicial com trânsito em julgado. A passagem imediata de mandado de detenção, prevista no n.º 1 do art. 337.º do CPP (correspondentemente aplicável, nos termos do n.º 2 do art. 97.º do CEP), mostra-se a esse respeito redundante. 32.ª Resta examinar a questão dos efeitos penais produzidos pela declaração de contumácia, conexionados com a interrupção da prescrição, nos termos previstos no art. 126.º, n.º 1, alínea b) do CPenal, considerada a natureza da prisão subsidiária – sanção de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa –, a sua finalidade e regime próprios.

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