TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
219 acórdão n.º 610/17 2.2. Como refere o Ministério Público, nas suas alegações, nos recursos interpostos nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), como aqui sucede, exige-se que a norma que constitui o respetivo objeto tenha operado como efetivo critério da decisão recorrida. Nas palavras de Carlos Lopes do Rego ( Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucio- nal , Coimbra, 2010, pp. 66 e seguintes), manifestando um entendimento que a jurisprudência do Tribunal tem invariavelmente acolhido (cfr., inter alia , os Acórdãos n. os 61/16, 513/14, 305/14 e 80/14): «[…] Constitui ponto assente na jurisprudência constitucional que só são suscetíveis do recurso previsto na alínea a) as decisões em que o tribunal a quo haja recusado efetivamente a aplicação de uma norma com fundamento na respetiva inconstitucionalidade – não sendo passíveis de recurso para o Tribunal Constitucional as ‘falsas recusas’ de aplicação de normas, em que o juízo de inconstitucionalidade emitido pela decisão impugnada se configura como um simples obiter dictum ou um mero argumento ad ostentationem em matéria de inconstitucionalidade, na medida em que (…) a norma, alegadamente inconstitucional, acaba por não relevar, de forma decisiva, como efetivo fundamento de direito ou ratio decidendi da decisão concretamente proferida pelo tribunal a quo […]. […]” (itálico acrescentado). É esta, manifestamente, a hipótese com que ora nos deparamos. Para assim concluir, basta atentar na dinâmica da execução que se passa a descrever. Existe um processo de execução com natureza “civil” (a expressão visa apenas distinguir esta execução, tramitada pela jurisdição comum, da execução fiscal) que foi sustada face a uma penhora anterior com origem em processo de execução fiscal. A sustação ocorreu por força do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do CPC. Na execução fiscal, as diligências de venda do bem penhorado não prosseguiam, por força do disposto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT. Ora, o despacho do juiz do processo que constitui a decisão aqui recorrida pode decompor-se nos seguintes elementos: (i) o juiz considera ( rectius , manifesta a opinião) que o disposto no artigo 244.º [n.º 2] do CPPT é inconstitucional; ( ii) nessa medida, considera (parece considerar) também que o titular da execu- ção fiscal não deveria aplicar o disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT e, consequentemente, deveria pros- seguir (aí, na execução fiscal) as diligências de venda; mas (o que é particularmente relevante), admitindo que assim poderia não suceder, ( iii) anunciou, desde logo, que (em ato processual posterior) seria determinado o prosseguimento dos autos com a realização da venda do imóvel penhorado, ou seja, e por outras palavras, deu conta de que a paralisação da execução fiscal por mais 30 dias implicaria que a “execução civil” deixaria de permanecer sustada. Do exposto, resultam duas conclusões seguras: o juiz não aplicou nem recusou a aplicação de qualquer norma do artigo 244.º do CPPT, remetendo tal decisão para o titular da execução fiscal (limitou-se, pois, a emitir uma pronúncia com aparente intenção persuasiva sobre o titular da execução fiscal); a norma que, implicitamente, o juiz fez antever que poderia (apenas eventualmente e no futuro) ser afastada, é a que regula a sustação (o artigo 794.º, n.º 1, do CPC), porque o único efeito processual potencial que ficou por deter- minar foi o do prosseguimento da “execução civil”. Assim, assiste razão ao Ministério Público, quando afirma que “[…] muito embora a consideração sobre a inconstitucionalidade do artigo 244.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, por parte do Mm.º Juiz a quo , se revele, do ponto de vista lógico, crucial para a decisão de incumprir o disposto no artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não se pode, ainda assim, afirmar que este Mm.º Juiz tenha recusado, efetivamente, aplicar quaisquer nor- mas do mencionado artigo 244.º, do CPPT, uma vez que tais normas não eram, sequer, suscetíveis de serem aplicadas neste processo”. Na verdade, uma eventual pronúncia no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 244.º do CPPT deixaria intocada a decisão recorrida, pois seria compatível com esta, na medida em que se limitou a “informar” a execução fiscal de que aguardaria por 30 dias o prosseguimento da mesma para
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