TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

21 acórdão n.º 707/17 XV– A norma que procede à extinção da sociedade Águas do Mondego não viola o princípio da segurança jurídica; a sociedade em questão foi criada através de decreto-lei, no âmbito de uma determinada política relativa aos setores do abastecimento de água e do saneamento, tendo-se visado com a sua criação prosseguir o interesse público e tendo sido no contexto da reformulação dessa política e da reforma legislativa que lhe está associada que, por sua vez, se procede à extinção da sociedade; a opção pela forma de decreto-lei em detrimento da prevista na lei comercial não pode ser conside- rada arbitrária, nem se pode falar, perante reestruturação dos setores referidos, de índole estrutural- -institucional, de lesão de um investimento de confiança dos titulares de participações sociais; além do mais, a sociedade em questão é uma empresa pública, pertencente ao setor empresarial do Estado, sendo o acesso de entidades privadas às atividades que desenvolve fortemente restringido, pelo que é manifesto que a sua extinção, através de decreto-lei, não se desenrola «fora do quadro axiológico de um Estado de direito constitucional baseado numa economia social de mercado». XVI – Quanto à alegada violação dos direitos do município sobre o seu património decorrente da «extinção dos direitos patrimoniais dos municípios acionistas decorrentes das participações sociais extintas contra ou independentemente da vontade dos seus titulares sem que lhes tivesse atribuído a devi- da compensação», importa salientar que os direitos sobre participações sociais são abrangidos pela garantia constitucional da propriedade privada mas, tal como a garantia de propriedade privada tem de ter em conta a função económica desta, admitindo, assim, restrições face à organização económica postulada pela Constituição, o mesmo sucede no que respeita ao modelo constitucional de organi- zação política e, mais especificamente, de autonomia do poder local; por conseguinte, na medida em que, constitucionalmente, são admissíveis restrições à autonomia do poder local, são igualmente admissíveis restrições aos direitos de conteúdo patrimonial dos municípios. XVII – No presente caso, está em causa a extinção de uma empresa pública que se inclui no setor empresarial do Estado e em que certos municípios detêm uma participação minoritária; trata-se, portanto, de uma empresa já detida exclusivamente por pessoas coletivas públicas, integrando o setor público dos meios de produção, não sendo a situação em causa abrangida pelo disposto no artigo 83.º da Constituição, não sendo igualmente aplicável o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea l) , da Constituição; embora se proceda à extinção de uma sociedade comercial e se crie, do mesmo passo, outra sociedade, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações e para a qual é transferido o seu património, aos possuidores de ações na sociedade extinta são, através do mesmo diploma legislativo, atribuídas participações na sociedade que lhe sucede; assim, o Estado não pretende apoderar-se de ativos da sociedade extinta ou das participações sociais dos municípios, passando a sociedade a quem é atribuída a concessão a ser detida exclusivamente por si, pelo que não estamos, em rigor, perante uma “expropriação por utilidade pública”. XVIII – Embora não haja uma “expropriação por utilidade pública”, os municípios são colocados numa posição em que os seus direitos patrimoniais são restringidos de uma forma análoga à que se realiza numa expropriação; no entanto, com a extinção da sociedade Águas do Mondego pretende-se, em geral, atingir os mesmos objetivos visados, na sua globalidade, pela reforma efetuada pelo Decreto- -Lei n.º 92/2015, sendo o estabelecimento destes objetivos por parte do Governo – a sustentabi- lidade económica e financeira dos sistemas e a redução de assimetrias entre o interior e o litoral – perfeitamente legítimo e ligado a tarefas que, constitucionalmente, lhe são atribuídas, é razoável que o Governo atribua a concessão do novo sistema a uma única sociedade e que, do mesmo passo,

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