TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Postos entre parênteses os problemas de categorização doutrinal e da densidade normativa da posição do titular do terreno apto para construção, a verdade é que nessa posição vai coenvolvida uma utilidade ou função de inequívoco valor económico-patrimonial, cuja neutralização, através de uma servidão non aedifi- candi , não pode deixar de representar uma redução patrimonial – e hoc sensu um prejuízo –, compreendido o património como o acervo global de todas as posições jurídicas com valor económico. Neste sentido, veja-se o Acórdão n.º 612/09: “trata-se, neste tipo de servidões, de uma limitação singular às possibilidades objetivas de uso do solo preexistentes que comporta uma restrição significativa da sua utilização (a totalidade da apti- dão edificativa atual) de efeitos equivalentes a uma expropriação, porque sacrifica um factor de valorização do solo que, numa expropriação do prédio, em igualdade de circunstâncias, seria necessariamente levado em conta no cálculo da indemnização”. A atribuição de um «direito concreto de construção» não poderá, assim, figurar como conditio sine qua non do reconhecimento dos putativos danos ou prejuízos sofridos por titular do imóvel onerado, ao ponto de toda a realidade pré-existente ser reconduzida a um vazio jurídico. Importa, aliás, acrescentar que nem o próprio legislador, quando projeta hoje a noção de edificabilidade em função de um paradigma de aquisição gradual das faculdades urbanísticas, coloca a presente questão na matriz do «tudo ou nada» – mas numa sucessiva e cada vez mais densa consolidação da posição jurídica dos proprietários. 2. A circunstância de estarmos em face da constituição de uma servidão non aedificandi e não de uma expropriação não justifica uma diferença de tratamento no que se refere especificamente ao dano. Em matéria de aptidão edificativa e à luz da legislação aplicável aos autos – no entender da posição que fez vencimento, o Decreto-Lei n.º 248-A/98, de 6 de julho, e não a Lei n.º 34/2015, de 27 de abril –, as consequências práticas que decorrem da expropriação ou da constituição de uma servidão non aedificandi apresentam-se substancialmente as mesmas. A perda da possibilidade de edificação que, na expropriação, se verifica em consequência da retirada do imóvel da esfera do titular, opera-se aqui mediante o condiciona- mento ou limitação dos possíveis usos do solo. Se é certo que o imóvel onerado com servidão non aedificandi continua na esfera jurídica do proprietário, também parece irrecusável que o mesmo fica, em definitivo, privado da possibilidade de aspirar a construir na zona da servidão. Tal faculdade deixa, em ambos os casos, de existir. Além do mais, a assumir-se em toda a linha e com todas as suas implicações a posição que fez venci- mento, mesmo a não atribuição de indemnização em face de servidão non aedificandi constituída sobre a parte sobrante de imóvel expropriado – dimensão normativa repetidamente objeto de censura nos Acórdãos n. os 262/93, 594/93, 800/93, 329/94,405/94, 72/95, 112/95, 142/95, 154/95, 192/95, 230/95, 250/95, 588/95, 665/95, 147/96, 299/97, 193/98, 614/98, 740/98, 41/99, 243/99, 331/99 e 612/09 – se acharia isenta de crítica constitucional. 3. É, pois, minha convicção que uma solução que recuse, em absoluto, arbitramento de compensação em face da constituição de servidão non aedificandi se mostra contrária à Lei Fundamental. E isto indepen- dentemente da eventual convergência de expropriação sobre aquele mesmo imóvel, por um lado, e, por outro, da circunstância de a faculdade abstrata consistente na aptidão para construir se ter ou não convertido em direito concreto de construção, mercê da efetiva obtenção da licença para construir. Considero, pois, que a justa indemnização visada pelo n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa não se restringe à total ablação da propriedade do bem, valendo também para a imposição de outros sacrifícios graves e excecionais às faculdades que daquele derivem. E a supressão da possibilidade de edificação sobre imóvel envolve uma franca compressão do conteúdo – quer se tenha aquela como inata, quer se tenha como decorrente de uma autorização administrativa – do direito fundamental de propriedade. Ou se se quiser, do espectro de posições ou utilidades nela contidas com relevo económico-patrimonial. Assim, admitir que o proprietário do prédio onerado pela servidão non aedificandi possa ser forçado a esta contribuição específica e individualizada para o interesse público sem arbitramento de uma compensação

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