TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
197 acórdão n.º 608/17 uma faculdade atual inerente à propriedade da coisa (a aptidão edificativa que a parcela sobrante já detinha como solo classificado como apto para construção). Ora, a atribuição de indemnização por lesão do direito de propriedade deve ocorrer também nos casos em que, apesar de esta não ter uma gravidade equivalente à da expropriação, ela possa ser exigível em função dos interesses em ponderação, dos prejuízos em causa e das circunstâncias objetivas do caso concreto. 5. A norma sob apreciação afasta automaticamente, sem mais, a priori, o direito à indemnização nos casos em que a constituição da servição não teve um efeito ablativo equivalente ao de uma expropriação. Tal revela-se excessivo, porque podem existir situações de restrição ou limitação do direito de propriedade (na dimensão de direito a construir) que justifiquem a atribuição de justa indemnização por supressão de capacidade edificativa já existente. Configura-se, assim, esta norma, devido ao seu caráter absoluto, como uma restrição inconstitucional do direito fundamental à propriedade privada. Visto de outra forma, seria uma violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos impostos pela República, de que a norma do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição é expressão máxima, porque exclui situações em que também é constitucionalmente devida uma reparação da perda ou diminuição patrimonial sofrida pelo particular atingido pela servidão non aedificandi . É certo que existem diferenças centrais entre a expropriação e a imposição de uma servidão. No entanto, em ambos os casos estamos perante atos que são ablativos do direito de propriedade privada – de uma forma total ou parcial. Se assim é, existe uma diferença de grau entre ambas as situações, que assim deve ser tratada. Não se pode negar a possibilidade de ressarcimento por uma lesão (ainda que não tão grave como a expropriatória). O que pode ocorrer é a ponderação, no caso concreto, sobre se a restrição do direito em causa justifica a atribuição de uma indemnização em função dos prejuízos efetivamente verificados e das circunstâncias objetivas do caso. Tendo em conta este enquadramento, a circunstância de o particular possuir um direito “abstrato” ou “concreto” de construir (referido no ponto 7 do Acórdão, nomeadamente com base nos artigos 178.º, n. os 1, 2 e 4, do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015) ou a existência de dano real, efetivo ou concreto ou meramente eventual é algo que deve ser apreciado num segundo momento, relativo à ponderação sobre se o sacrifício imposto justifica a atribuição de indemnização e qual o seu valor. Não é possível uma generalização que negue sempre a atribuição de indemnização nestas situações, sem a possibilidade da ponderação referida. Da mesma forma, o facto de o procedimento previsto no CE poder não estar adaptado para o cálculo de indemnização neste caso não pode justificar que não se reconheça o direito a essa indemnização. Note-se que no caso presente, não estamos perante um exercício genérico de articulação entre o interesse privado e os interesses públicos, em matéria de ordenamento do território, mas da imposição concreta de um sacrifício na esfera patrimonial de um particular através da constituição da servidão non aedificandi sobre um terreno que já possuía capacidade edificativa – aliás, já parcialmente concretizada através de edificações. Não posso concordar que se afaste o sacrifício que lhe é imposto como uma mera hipótese ou expectativa não ressarcível. – Maria de Fátima Mata-Mouros. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei vencido quanto à decisão de não julgar inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 2, do CE. Com efeito, não me revejo na posição que fez vencimento, segundo a qual a supressão da aptidão edi- ficativa decorrente da constituição de uma servidão non aedificandi sobre um imóvel não origina dano ou prejuízo patrimonial para o titular do prédio, ainda que circunscrita aos casos em que a faculdade abstrata correspondente à aptidão para construir não se atualizou no direito concreto a construir, em resultado de atos de licenciamento de operações urbanísticas por parte da administração.
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