TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nessa medida, o coloca em situação desigual relativamente aos demais proprietários», tratando-se, por isso, de «uma restrição do direito de propriedade carecida de indemnização». Nesse aresto, no entanto, acabou por se entender afastar o juízo de inconstitucionalidade pois, embora o Código das Expropriações (CE) afaste a concessão de indemnização neste quadro, ele não implicaria «for- çosamente a irressarcibilidade de todos e quaisquer danos de caráter patrimonial sofridos por um particular para satisfação de um interesse público, que não resultem de expropriação ou de ato equiparável» (ponto 14), apontando-se, nesse âmbito, o possível recurso ao regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado. Certo é que, neste caso, que configurava uma situação semelhante à do presente Acórdão, o Tribunal Constitucional reconheceu a possibilidade de ressarcir os danos infligidos ao particular lesado. 3. Acompanho o Acórdão quando, no seu ponto 7, afirma que a faculdade jurídica de edificar existe na esfera jurídica do proprietário, ainda que o artigo 62.º, n.º 2, não se lhe refira expressamente, e é reconhecida como tal pela Constituição. De acordo com o presente aresto, tal decorre dos artigo 65.º, n.º 2, alíneas a) e c) , e n.º 3, bem como do artigo 66.º, n.º 2, alínea b) , todos da Constituição. Efetivamente, o jus aedifi- candi não deve ser visto como uma mera concessão ou graça do poder público – antes está intrinsecamente relacionado com o direito de propriedade e assim deve ser analisado. O que não significa que não possa ser regulado, afetado, restringido, comprimido ou até suprimido. Aliás, como mera ilustração, não se pode esquecer que o CE reconhece aptidão edificativa indepen- dentemente de plano ou licença, para efeitos de determinação do valor da justa indemnização devida pela expropriação (artigos 25.º, n.º 2, e 26.º do CE). Ora, na «perspetiva jusfundamental (…), o problema das servidões administrativas non aedificandi e de quaisquer restrições por utilidade pública ao direito de propriedade privada do solo deve ser sempre consi- derado como problema de restrições a direitos fundamentais, seja quando se apresentam com a gravidade equivalente a uma expropriação, e, nessa altura, devendo ser correspondentemente tratadas e indemnizadas – independentemente das formulações mais ou menos restritivas da lei – seja, quando, mesmo não apre- sentando tal gravidade e sendo constitucionalmente legítimas, devam ser eventualmente indemnizáveis em função dos interesses em ponderação, dos prejuízos em causa e das circunstâncias objetivas do caso concreto» (J. Reis Novais, “Ainda sobre o jus aedificandi ”, in Direitos Fundamentais: trunfos contra a maioria, Coimbra Editora, 2006, p. 150). 4. O caso que deu origem ao presente recurso configura uma verdadeira restrição ao direito de proprie- dade privada. Como refere o Conselheiro Vítor Gomes, na sua declaração de voto ao Acórdão n.º 612/09, ponto 2: «Com efeito, não pode dizer-se, mormente quando a coisa dominante é uma autoestrada que, por definição, não serve os prédios marginantes, que se trate de uma contrapartida do funcionamento dos serviços públicos que deva ser suportado, à luz de um princípio de socialidade ou de conformação social da propriedade, pelo sujeito sobre que incide. Nem pode pretender-se que essa relação de vizinhança com a via significa que a limitação das possibilidades de aproveitamento urbanístico é consequência da vincula- ção situacional do solo, porque a sua emergência concreta só surge como efeito de uma opção da entidade administrativa que estabeleceu aquele traçado, não sendo inerente às características intrínsecas ou à parti- cular situação factual do terreno. Não é, pois, uma regulação geral ou delimitação do conteúdo do direito de propriedade quanto a certo tipo de bens, mas de uma privação singular e substancial do aproveitamento económico da coisa, com “penetrante incidência” no gozo standard que a lei permitia ao proprietário à data da imposição do ónus, por causa de utilidade pública». Efetivamente, aceitando-se que a capacidade edificativa se encontra abrangida pelo âmbito de proteção do direito de propriedade e que este é um direito fundamental ao qual é aplicável o regime constante no artigo 18.º da Constituição, então a servidão em causa terá que ser considerada uma verdadeira restrição desse direito. Neste caso, o poder público está a impor a certos particulares, por razões de interesse público, vínculos que podem diminuir substancialmente a utilitas rei , implicando o sacrifício total e permanente de
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