TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

194 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Parece, pois, poder concluir-se que se depara um encargo que incide especialmente sobre os cidadãos onerados, que implica o sacrifício total e permanente de uma faculdade actual inerente à propriedade da coisa (a aptidão edificativa que a parcela já detinha como solo classificado como apto, segundo os factores objectivos relevantes à luz do artigo 25.º do Código das Expropriações) e que é imposto por razões de interesse público. Justifica-se que à luz do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos o proprietário onerado seja indemnizado da perda de valor correspondente». Mas não é aceitável essa argumentação.  Existe entre a expropriação e a servidão non aedificandi uma diferença essencial que justifica que no primeiro caso se atribua ao expropriado uma indemnização determinada em função da aptidão edificativa do prédio expropriado, e no segundo não: é que na expropriação o terreno sai da esfera jurídica do expropriado, contrariamente ao que sucede com o proprietário de um terreno onerado com uma servidão, que se mantém na titularidade do mesmo. Como sublinha o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 5 de novembro de 2013 (Processo n.º 466/13), a propósito das condições legais de que depende a indemnização devida pela revisão de instrumentos de gestão territorial (artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT), «justifica-se que [o Código das Expropriações] atenda àquela potencialidade [edificativa] – por definição, voltada para o futuro – porque o imóvel objeto da expropriação desaparece, de vez, da esfera jurídica do expropriado; pelo que a indemnização dessa perda forçada haverá de considerar as utilidades que o bem subtraído poderia trazer – o que, aliás, se consegue por uma aproximação do valor de mercado. Já no caso dos autos, a situação é bem diferente, posto que a autora permanece como proprietária do terreno». É no pressuposto da perda do direito – da sua titularidade ou da sua substância – que todo o regime indemnizatório previsto no Código das Expropriações está concebido. A justa indemnização visa precisa- mente «ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação», prejuízo concreto maior que reside no próprio facto do desaparecimento da coisa da esfera jurídica do expropriado. Compreende-se, pois, que a compensação por esse sacrifício corresponda ao «valor real e corrente do bem de acordo com o seu des- tino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data» (artigo 23.º, n.º 1, do CE); e que, para esse cálculo, se atenda à aptidão edificativa do prédio, nos termos previstos no artigo 26.º do mesmo código, mesmo representando essa aptidão uma possibilidade abstrata de edificação. Mas mantendo-se o terreno na esfera jurídica do seu proprietário, como sucede com as servidões non aedi- ficandi , já não é exigível que a mera perda dessa possibilidade abstrata – perda que, no quadro atualmente vigente, não é sequer definitiva (artigo 32.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2015) – implique, só por si, idêntico dever de indemnizar.  Ainda que se pudesse apontar alguma incoerência lógica ou, mesmo, desacerto, à opção do legislador de reconhecer aptidão edificativa a terrenos cuja vocação urbana não é sequer determinada pelo plano e para os quais não existe licença de construção anterior, para efeitos de determinação do valor da justa indemnização devida pela expropriação (artigos 25.º, n.º 2, e 26.º do CE), e ao mesmo tempo afastar essa ponderação no caso das servidões non aedificandi (artigo 8.º, n.º 2, do CE), tal não bastaria para fazer dela, como é sabido, uma solução arbitrária, censurada pelo artigo 13.º da Constituição. Com efeito, havendo razões constitucio- nalmente fundadas para a distinção, baseadas na diferença de fundo, imediatamente intuível, existente entre uma servidão e uma expropriação, não se pode considerar que houve violação do princípio da igualdade, mesma na vertente da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos.  É que sem a demonstração de que a perda da aptidão edificativa provocou, na esfera jurídica do proprie- tário, prejuízos concretos – inviabilizou uma construção licenciada ou em vias de o ser, não permitiu a cele- bração de um concreto negócio jurídico que tinha em consideração essa aptidão, etc. – não se pode sequer concluir que a realização do interesse público importou para o onerado, em comparação com os restantes proprietários, um sacrifício efetivo.

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