TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

190 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL natural desse direito, configurando-a, antes, como resultado de uma concessão jurídico-pública que tem por fonte atos regidos pelo Direito Público (tese publicista), como os planos municipais de ordenamento do território e as licenças de construção. A Constituição refere-se especificamente a essa faculdade, de forma mais ou menos explícita, no seu artigo 65.º, quando comete ao Estado, em matéria de habitação e urbanismo, a incumbência de «programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em pla- nos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social» [n.º 2, alínea a) ] e de «estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral (…)» [n.º 2, alínea c) ]». Uma alusão expressa à «ocupação, uso e transformação dos solos» encontramo-la, ainda, no n.º 3 do mesmo artigo 65.º da Constituição, ainda que, mais uma vez, enquanto matéria obrigatoriamente sujeita a regulação prévia através, designadamente, dos instrumentos de planeamento territorial e urbanístico. No mesmo sentido, aponta a norma, entre outras, do artigo 66.º, n.º 2, alínea b) , da Lei Fundamental.  Desse dado constitucional é possível extrair, com suficiente grau de segurança interpretativa, a conclu- são de que essa faculdade jurídica existe na esfera jurídica do proprietário, ainda que o artigo 62.º, n.º 2, não se lhe refira expressamente, e é reconhecida pela Constituição, pelo menos enquanto reportada à esfera de autonomia dos particulares face ao Estado, só assim se compreendendo a obrigação constitucional que recai sobre este de a regular de modo a que não sacrifique o interesse público.  Por outro lado, também se impõe com razoável grau de evidência a conclusão de que não se trata de um poder livre e insuscetível de condicionamentos impostos pela ponderação e tutela de outros valores con- flituantes, tal como não o é generalidade dos direitos e interesses que a Constituição reconhece.  Não assiste ao proprietário de um terreno, à luz da Constituição, pelo simples facto de o ser, a liber- dade de nele construir o que quiser, quando quiser e como quiser. Como sublinhado por Mário Esteves de Oliveira, «a realidade constitucional do direito de propriedade em matéria urbanística (de direito de constru- ção) é juspublicamente condicionável e regulável». E mais do que isso: a própria Constituição impõe, como vimos, essa regulação em ordem à tutela de interesses públicos que se apresentam potencialmente conflituan- tes com o exercício não regulado da liberdade de construir.  O artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, expressa também essa ideia quando determina que o direito de propriedade privada é garantido, «nos termos da Constituição», o que faz dele uma realidade «constitucional- mente envolvida», por congenitamente enquadrada e condicionada por outros valores constitucionalmente tutelados, como o ambiente, os recursos naturais, o património arquitetónico e a própria existência de uma urbanização sustentada e equilibrada.  Nessa perspetiva, há que reconhecer que a legislação ordinária que estabelece a compatibilização, em matéria urbanística, desses interesses e valores contrapostos de natureza privada e pública, em cumprimento da Constituição – seja nos temos previsto na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, seja nos termos dos artigos 65.º, n. os 2, alíneas a) e c) , primeira parte, e 66.º, n.º 2 –, assume um valor materialmente qualificado na definição dos próprios contornos normativos da faculdade de edificar.  Com efeito, as condições de que depende o exercício do direito de construir, embora decorram do direito ordinário, colhem da Constituição, como vimos, a sua fonte material de legitimação. No pressuposto, que não vem questionado pela recorrente, de que a articulação operada pelo legislador ordinário entre o interesse privado e o interesse público, em matéria urbanística, foi feita em conformidade com a Lei Fundamental, o recurso a essa legislação para a determinação do conteúdo do direito de construir mostra-se indispensável à própria resolução do específico problema constitucional em apreciação – que, sublinhe-se de novo, sendo um problema de responsabilidade civil, nuclearmente assenta na perda ou sacrifício desse direito.  Essa tarefa de compatibilização foi globalmente efetuada através do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), recentemente substituído pelo regime aprovado, com o mesmo nome, pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.  Nos termos do n.º 1 do artigo 139.º do primeiro dos citados diplomas legais, «[o] plano pode fixar um direito abstrato de construir correspondente a uma edificabilidade média que é determinada pela construção

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