TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
187 acórdão n.º 608/17 Antes de prosseguir, importa precisar alguns conceitos que, sendo dados adquiridos na doutrina e juris- prudência administrativas, relevam para a apreciação do problema. 4. Em primeiro lugar, o conceito de servidão administrativa constante da epígrafe do referido artigo 8.º do Código das Expropriações. Está em causa, como sublinhado no Acórdão n.º 612/09, por apelo à doutrina de Marcello Caetano, «o encargo imposto por lei sobre certo prédio, em proveito da utilidade pública de uma coisa» ( Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pp. 1052-1053). Tal como sucede com as servidões prediais de direito privado, a servidão administrativa é estrutural- mente um «encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono dife- rente» (artigo 1543.º do Código Civil). Nessa medida, ela traduz, por um lado, uma restrição ou limitação ao direito de propriedade do prédio onerado (prédio serviente), inibindo o proprietário de praticar atos que possam prejudicar o exercício da servidão, e, por outro, confere utilidades ao prédio que dela beneficia (pré- dio dominante), utilidades que integram o conteúdo de um jus in re aliena ou de um direito real menor ou limitado (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado , Vol. III, 2.ª edição, pp. 613-614; referindo a «homologia estrutural» do direito real de servidão, independentemente da sua natureza jurídico-privada ou pública, cfr. Bernardo Azevedo, Servidão de Direito Público. Contributo para o seu estudo, Coimbra Editora, pp. 152-153). Contudo, nas servidões de direito público, contrariamente ao que sucede com as servidões de direito privado, o prédio dominante serve uma finalidade de interesse público, sendo este o traço funcional ou finalístico que confere àquelas, em face destas últimas, «autonomia substantiva» e permite uma leitura valo- rativamente fundada do respetivo regime jurídico (Bernardo Azevedo, ob. cit. , p. 156). A servidão de direito público constitui, assim, um instrumento de realização do interesse público, que só se justifica e aceita pelo facto de o bem que serve pertencer ao domínio público e aproveitar a todos, enquanto membros de uma sociedade comprometida na satisfação das necessidades coletivas. Por outro lado, embora as servidões de direito público estejam, todas elas, sujeitas ao princípio da pre- cedência de lei, como também sublinhado no Acórdão n.º 612/09, há «servidões administrativas cuja consti- tuição resulta ope legis , mediante a submissão automática a regimes uniforme e diretamente predeterminados de todos os prédios que se encontrem em determinadas condições fixadas legalmente por via geral e abstrata», e outras «cuja constituição exige a prática de um ato individual e concreto por parte da Administração (um ato administrativo), seja para verificar se ocorrem os pressupostos legalmente exigidos, seja para definição de certos aspetos do respetivo regime, designadamente, no que respeita à área sujeita à servidão e aos encargos por ela impostos (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 181/70, de 28 de abril)». 5. A servidão concretamente invocada como causa de pedir na ação indemnizatória que deu origem ao presente recurso de constitucionalidade é uma servidão non aedificandi de proteção às estradas da rede rodoviária nacional, prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 248-A/98, de 6 de julho, que aprovou as bases da concessão, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada na zona norte de Portugal, diploma entretanto revogado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de abril, que aprovou o novo estatuto das estradas da rede rodoviária nacional. O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 248-A/98, de 6 de julho, sob a epígrafe «zonas non aedificandi », deter- minava, na parte relevante, o seguinte: «1 – Em relação aos lanços de auto-estrada constantes da base II anexa ao presente diploma, são fixadas as seguintes zonas de servidão non aedificandi : a) Desde a aprovação do estudo prévio até à aprovação da planta parcelar do projecto de execução, 200 m para cada lado do eixo da estrada e, centrado em cada nó de ligação, um círculo com 1300 m de diâmetro; b) A partir da aprovação da planta parcelar do projecto de execução, os limites fixados pelas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei 13/71, de 23 de janeiro, passarão a ser os seguintes:
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