TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
185 acórdão n.º 608/17 2. Porém, de acordo com o mesmo preceito legal, as servidões necessárias à realização de fins de interesse público apenas dão lugar a indemnização quando: a) inviabilizem a utilização que vinha sendo dada ao bem, considerado globalmente; b) inviabilizem qualquer utilização do bem, nos casos em que estes não estejam a ser utilizados; c) ou anulem completamente o seu valor económico. Como o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de sublinhar, «[p]or força desta norma, apenas é suscetível de ressarcimento a perda de uma utilidade atual, efetivamente extraída do imóvel onerado, à data da constituição da servidão. Na delimitação das situações indemnizáveis, apenas é contabilizado o aprovei- tamento económico já concretizado, sendo desconsiderado o valor resultante da possibilidade de aproveita- mento, no futuro, da aptidão edificativa» (Acórdão n.º 525/11). Também no que respeita a este aspeto da normação vigente, é de referir que outra era a solução con- sagrada no passado. Embora restringindo a indemnização às servidões constituídas por ato administrativo, quer a Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948 (artigo 3.º, n.º 3), quer o Código das Expropriações de 1976 (artigo 3.º, n.º 3) e o Código das Expropriações de 1991 (artigo 8.º, n.º 3), atribuíam-na quando a servidão envolvesse «diminuição efetiva do valor dos prédios servientes», para cujo cálculo não podia deixar de relevar a aptidão edificativa que o prédio detinha à data da constituição da servidão. A opção mais restritiva consagrada nas três alíneas do n.º 2 do artigo 8.º do CE, quanto ao tipo de danos indemnizáveis pela constituição de servidões de interesse público, veio merecer do Tribunal Constitucional um juízo de censura quando aplicada aos casos, já sobejamente conhecidos da jurisprudência constitucional, de servidões non aedificandi de proteção de auto-estradas incidentes sobre a totalidade da parte sobrante de um prédio expropriado, quando essa parcela fosse classificável como «solo apto para construção» ante- riormente à constituição da servidão, hipótese não subsumível ao âmbito de previsão de quaisquer das três alíneas do citado preceito legal. Reiterou-se, nesse acórdão, a ideia já antes densificada na jurisprudência constitucional de que «a garan- tia da justa indemnização contida no n.º 2 do artigo 62.º não se limita aos atos ablativos da titularidade do bem para prossecução do bem comum, abrangendo a perda de valor inerente à imposição de uma servidão de direito público que sacrifique uma das faculdades de gozo ou uso ( utilitas rei ) que a coisa anteriormente proporcionava». Mas, contra posição defendida em declaração de voto aí emitida, o que se considerou consti- tucionalmente intolerável, à luz dos enunciados parâmetros constitucionais, foi o efeito global intensamente lesivo, para a esfera jurídica do particular, decorrente da circunstância de a servidão non aedificandi incidir sobre a parte sobrante – no caso, a totalidade da parte sobrante – de um prédio de que o mesmo particular havia sido previamente expropriado. É que, sublinha-se nesse aresto, o proprietário expropriado e simultaneamente onerado pela servidão sofre, em tal hipótese, em relação à totalidade do imóvel – à utilidade económico-social globalmente pro- porcionada pelo imóvel –, os «efeitos equivalentes a uma expropriação», o que o coloca numa situação qua- litativamente mais gravosa, não apenas em relação à generalidade dos proprietários de terrenos com aptidão edificativa, mas também, sobretudo, em relação àqueles que são objeto de expropriação total, caso em que a aptidão edificativa atual funciona como um fator legal a considerar na determinação do quantum indemni- zatório devido pelo prejuízo decorrente da expropriação. Para o Tribunal, as servidões constituem, em tal circunstancialismo de facto, «um encargo que (…) implica o sacrifício total e permanente de uma faculdade atual inerente à propriedade da coisa (a aptidão edificativa que a parcela sobrante já detinha como solo apto para construção segundo os fatores objeti- vos relevantes à luz do artigo 25.º do Código das Expropriações) e que é imposto por razões de interesse público». Justificava-se, por isso, à luz do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, que o proprietário expropriado e simultaneamente onerado com a servidão fosse indemnizado da perda do valor correspondente. Manteve-se, assim, a linha firmada nos precedentes acórdãos de condicionar o juízo de inconstitucio- nalidade à verificação de aspetos que, embora modelados nas situações de facto concretamente submetidas à apreciação dos tribunais, nos processos que deram origem aos recursos de constitucionalidade, traduziam, na
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