TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

141 acórdão n.º 786/17 4.2. Diferença entre dano laboral e dano civil e conteúdo do direito à justa reparação É certo que, como salienta a doutrina (Júlio Gomes, O acidente de trabalho, ob. cit., p. 263), na sua génese histórica, nos vários sistemas de responsabilidade civil objetiva de reparação de acidentes de trabalho, a reparação era limitada a uma parte do dano que era frequentemente tabelado, sendo o dano indemnizável inferior àquele cuja reparação teria sido possível à luz da responsabilidade subjetiva tradicional.  Contudo, adequados critérios de interpretação da norma constitucional, que consagra o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, conduzem ao resultado interpretativo segundo o qual a Constituição tem por referência uma noção de dano mais ampla do que a tradicional no sistema de acidentes de trabalho. A interpretação das normas constitucionais deve fazer-se de acordo com os critérios hermenêuticos gerais (elemento gramatical, teleológico e sistemático), indicando, desde logo, o elemento literal, através da expressão «justa reparação», uma remissão para o instituto da responsabilidade civil e para o princípio da reparação integral do dano. Por outro lado, os argumentos teleológico e sistemático de interpretação exigem que o intérprete proceda a uma leitura unitária da Constituição, que tenha em conta todas as suas normas e princípios, nomeadamente, a dignidade da pessoa humana, o princípio-base do Estado de direito (artigo 1.º da CRP) e que serve de crité- rio de interpretação/delimitação do conteúdo dos direitos fundamentais (cfr. Jorge Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana, vol. II, pp. 27 e seguintes; Benedita  Mac Crorie, «O princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição da República Portuguesa de 1976», in Jornadas nos Quarenta Anos da Constituição da República Portuguesa, Universidade Católica. Porto, 2017, pp.105-112 e Acórdãos do Tribunal Constitu- cional n. os 144/04 e 101/09). Sendo assim, a norma constitucional paramétrica, que consagra o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, não pode deixar de ter por pressuposto uma noção de pessoa humana que abrange a vida do trabalhador no seu todo e na sua complexidade ou modo singular e único de ser, e que, portanto, impõe o direito dos trabalhadores à indemnização da totalidade dos danos por si sofridos, em caso de doença profissional ou de acidente de trabalho, de acordo com o paradigma da responsabilidade civil. A expressão «capacidade de ganho» encontra a sua origem no direito civil e não pode deixar de ter o mesmo significado, quer em relação ao dano causado por acidente de trabalho ou doença profissional sofrido pelos trabalhadores da Administração Pública, quer em relação aos trabalhadores do setor privado. Da jurisprudência civilística colhe-se a tradição de a perda de capacidade de ganho ser classificada como um dano patrimonial futuro, que abrange, de acordo com um juízo de probabilidade, a perda de oportuni- dades profissionais, como promoções, compensação por horas extraordinárias, a valorização profissional, a mudança de profissão, a subida de escalão, etc. Não pode, portanto, afirmar-se, como fez a tese vencedora, que a perda da capacidade de ganho do trabalhador em funções públicas fique reparada com o princípio da manutenção da remuneração auferida no momento do infortúnio e que a norma constitucional convocada apenas exige que o legislador assegure a sua subsistência, não assumindo uma função indemnizatória ou de tornar indemne o/a trabalhador lesado/a. A perda de capacidade de ganho não pode analisar-se apenas na diminuição imediata e atual da retribuição, mas repercute-se no património do lesado, para o futuro, durante o período laboral ativo e durante toda a sua vida. É que o facto de o/a trabalhador/a continuar a prestar ser- viço e a receber a remuneração, por inteiro, não elimina o dano. Tem que se ter em conta que a incapacidade permanente parcial vai refletir-se no esforço maior que será necessário despender para fazer a mesma tarefa, o que implicará menos disponibilidade de tempo para dedicar ao trabalho (por exemplo, em horas extraor- dinárias ou num segundo emprego ou outras prestações de serviço) e um esgotamento das suas reservas biológicas, que se repercutirá necessariamente no seu património e nas consequências económicas da lesão. Ainda que não seja possível determinar com exatidão a extensão desses danos e ainda que sejam diferentes consoante a profissão em causa, sempre terão estes de ser reparados de acordo com a equidade, por força do direito fundamental constitucionalmente consagrado a uma justa reparação, pelo que a revogação da norma que permitia a acumulação da pensão por incapacidade permanente com a totalidade da remuneração põe em causa este direito dos trabalhadores da função pública, de uma forma que viola o princípio da proporcio- nalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. A jurisprudência do Tribunal Constitucional já tem admitido que o conteúdo do direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da CRP abrange os danos futuros e

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