TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
140 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mesmo que o sinistrado venha a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente, salvo em conse- quência de revisão da pensão», agora vedada no emprego público. 4. Para justificar o conteúdo minimalista do dano laboral sofrido pelos funcionários públicos (pelo facto de continuarem a receber a totalidade da remuneração, nos termos do artigo 23.º, n.º 4, do RAS), dão-se por evidentes, no Acórdão que fez vencimento, asserções retiradas de uma comparação entre o regime jurídico da função pública e o do setor privado, que estão longe de ser óbvias, revelando, pelo contrário, o direito positivo e o direito vivente, que as distinções conceituais – entre carreira no setor público e categoria no setor privado e entre dano laboral e dano civil –, com que se fundamentou a constitucionalidade da norma questionada, não são rigorosas de um ponto de vista jurídico, o que não deixou de ser assinalado no Acórdão através do advérbio “normalmente”. 4.1. Diferença entre carreira (trabalhadores em funções públicas) e categoria (trabalhadores em regime comum) Afirma o Acórdão que fez vencimento que se verifica uma diferença estrutural entre o emprego público e a relação laboral sujeita ao regime comum, que justifica que a incapacidade permanente parcial dos tra- balhadores com vínculo de emprego público não diminua a sua capacidade de ganho, pois estes exercem, normalmente, as suas funções em carreiras de conteúdo funcional genérico e extenso, o que permite que o trabalhador desempenhe funções compatíveis com a sua capacidade de trabalho residual e seja avaliado e promovido no exercício de tais funções, enquanto que os trabalhadores do setor privado veem a sua prestação laboral ser conformada, de forma mais rígida, pelo contrato de trabalho celebrado entre o empregador e o trabalhador, sofrendo, portanto, um dano laboral acrescido. Para além de a distinção entre trabalhadores privados e trabalhadores públicos se ter esbatido com a disseminação da contratação laboral pelo Estado e demais pessoas coletivas públicas, não se pode afirmar que o trabalhador que exerce funções públicas não sofra perdas do ganho potencial. É que há profissões em que o trabalhador recebe uma parte da remuneração em subsídios e em horas extraordinárias. Se, por razões de saúde pu em virtude de um acidente, deixar de poder fazer trabalho noturno ou por turnos, ou horas extraor- dinárias, o seu rendimento global (apesar da manutenção da remuneração base) pode baixar drasticamente. Em relação às carreiras especiais da função pública, em que a prestação do trabalhador está circunscrita a determinadas funções e em que os trabalhadores não são promovidos automaticamente, pelo decurso dos anos, mas apenas mediante avaliações de resultados ou desempenho, há que equacionar que o trabalhador acidentado ou com doença profissional, que padece de uma incapacidade parcial, pode não conseguir atingir os resultados exigidos na avaliação do desempenho, sendo ultrapassado por outros trabalhadores no acesso a determinadas posições ou funções, ficando, portanto, diminuída a sua capacidade de ganho mesmo que mantenha a remuneração vigente à data do acidente. Por outro lado, os trabalhadores do regime comum, que estão autorizados legalmente a acumular a pensão por incapacidade permanente parcial com a totalidade da retribuição, ainda que esta seja superior à auferida à data do acidente, podem não sofrer qualquer perda de retribuição efetiva, por estar proibida na lei ou em convenções coletivas, nem perdem, na prática, o posto de trabalho, por não ser possível ao empregador extingui-lo, devido à proteção que os trabalhadores encontram nas convenções coletivas e na prática judiciária. Por último, os argumentos do privilégio dos trabalhadores atingidos relativamente aos não atingidos por acidentes de trabalho e do efeito de moral hazard , que alegada- mente seria potenciado pelo regime de acumulação, assentam numa ideia pré-concebida, sem fundamento empírico, que esquece que a maioria dos trabalhadores que sofrem acidentes de trabalho não conhecem a lei, antes de sofrerem o acidente, de forma a poderem moldar o seu comportamento por ela, e que, conforme ilustram as estatísticas oficiais, é na indústria e na construção civil que acontecem os acidentes mais graves e o maior número de mortes de trabalhadores, sendo as causas desses infortúnios, com frequência, as deficientes condições em que o trabalho é exercido e a falta de segurança, por culpa dos empregadores que não cumprem as suas obrigações.
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