TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
139 acórdão n.º 786/17 contrário, o legislador constitucional visou, com a tipificação do direito, alargar o seu conteúdo, remetendo, como indicia a expressão «justa reparação», para o princípio da reparação integral do dano presente no direito civil, na múltipla dimensão que lhe é reconhecida e que a jurisprudência dos tribunais comuns tem desenvolvido. Dano, como se tem defendido na doutrina civilista, é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica e é apenas em função do dano que a responsabilidade civil realiza a sua finalidade essencialmente reparadora ou reintegrativa. A atribuição de uma indemnização ao lesado tem na sua génese a eliminação ou atenuação de uma situação desfavorável que se verificou pela violação de direi- tos, bens jurídicos ou vantagens protegidas pelo direito, destinando-se a proporcionar ao lesado a situação de que este usufruiria se o facto que originou os danos não se tivesse verificado. Tradicionalmente, os danos subdividem-se em duas categorias – danos patrimoniais e danos não patrimoniais – consoante sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica e refletem-se no património do lesado, enquanto os segundos se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos patrimoniais, de acordo com o artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil, abrangem os danos emergentes, enquanto perda patrimonial, e os lucros cessantes, referindo-se estes últimos aos ganhos que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. No artigo 564.º, n.º 2, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, ou seja daqueles que ainda não se verificaram à data da fixação da indemnização, mas que sendo previsíveis, a lei considera indemnizáveis, tendo os tribunais ao seu dispor fórmulas matemáticas para os calcular, mas acabando, na prática, por recorrer a critérios de equidade, em que têm em conta a perda de oportunidades profissionais, a diminuição, efetiva e potencial, de rendimentos, o período de tempo de vida ativa, a possibilidade de promoção e de mudança de emprego, etc. Os danos não patrimoniais são aqueles que afetam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa – biológica e mental, física e psíquica – e que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil. Embora estes não integrem a categoria do dano laboral, tal como foi historicamente moldada e o legislador ordinário tenha liberdade de conformação a este propósito, deve entender-se que está incluída, no conceito constitucional de «justa reparação», a realização profissional, enquanto valor psicológico e mental, até porque a distinção entre estas duas categorias – danos patrimoniais e não patrimoniais – é cada vez mais questionável, havendo uma zona em que necessariamente se conectam ou sobrepõem. É o caso do dano biológico, que, enquanto dano corporal ou à saúde traduzido na diminui- ção psicossomática da pessoa, afeta as atividades laborais e assume um carácter dinâmico, agravando-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo, necessariamente, consequências na mensuração do dano não patrimonial e do dano patrimonial, pois, para além da perda de rendimentos, retira à pessoa a sensação de utilidade e de produtividade, podendo acarretar a perda de auto-estima e do sentido da vida. Na verdade, os direitos ou bens jurídicos ligados à afirmação pessoal, social, afetiva e profissional do indivíduo “valem” hoje, à luz de uma nova consciência social, mais do que no passado. Assim, à medida que com o progresso económico e social se diversificam os riscos de lesão, os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, evolução que deve também verificar-se no domínio dos acidentes de trabalho e que a Constituição quis refletir no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da CRP. 3. Deve ainda sublinhar-se, a propósito da norma cuja constitucionalidade foi questionada – o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 3 de março – que a ratio do novo regime da proibição de acumulação das prestações por incapacidade permanente parcial com a parcela da remuneração correspondente à redução permanente da capacidade de trabalho, no âmbito da Administração Pública, tal como decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII/2.ª terá sido apenas a sustentabilidade financeira da Caixa Geral de Aposentações, uma vez que o legislador não procede, na citada Exposição de Motivos, a qualquer justificação jurídica para a alte- ração legislativa introduzida e esta não se enquadra na pretendida convergência de regimes, até porque os trabalhadores do setor privado beneficiam da possibilidade de acumulação (cfr. artigo 51.º, n.º 1, da LAT, que afirma o princípio de que «[a] pensão por incapacidade permanente não pode ser suspensa ou reduzida
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