TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, a justa reparação, conforme consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição. 1. Metodologia Em primeiro lugar, a metodologia utilizada no Acórdão que fez vencimento assenta, sobretudo, em argumentos históricos e exegéticos deduzidos do direito infraconstitucional, descurando a questão central que é a de saber qual o conteúdo do direito dos trabalhadores a justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da CRP. Esta questão, como problema jurídico-constitucional, não pode ser resolvida com recurso a argumentos sistemáticos retirados do direito infraconstitucional, pois, precisamente, o que se ques- tiona, é saber se o direito infraconstitucional viola, ou não, a Constituição. As deduções lógico-conceituais efetuadas pelo Acórdão, para justificar o juízo de não inconstitucionalidade, padecem do vício de inversão metodológica, na medida em que é o direito infraconstitucional que é usado como instrumento para inter- pretar a norma constitucional e não a norma constitucional, como Lei Fundamental paramétrica, que é utilizada para aferir da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do direito ordinário. Ou seja, usando- -se o direito ordinário e a sua «ressonância histórica», para determinar o conteúdo da norma constitucional e o âmbito de proteção do direito fundamental nela consagrado, vicia-se, a priori , o resultado do processo decisório: tudo se passa como se fosse o direito infraconstitucional, usado para interpretar o conteúdo do direito fundamental que lhe vai servir de parâmetro de apreciação, a determinar a constitucionalidade de si mesmo. Estamos assim – embora se reconheça a qualidade do texto do Acórdão e a dificuldade das questões tratadas – perante um raciocínio circular, nos termos do qual o direito ordinário é usado, simultaneamente, como instrumento de interpretação do direito constitucional e como resultado dessa interpretação, pois este raciocínio há de necessariamente implicar a decisão final de conformidade do direito infraconstitucional à Constituição. 2. Conteúdo do direito à assistência e justa reparação Ao tempo do aditamento do direito dos trabalhadores a uma justa reparação ao n.º 1 do artigo 59.º da CRP – Revisão Constitucional de 1997 –  já o instituto da responsabilidade civil e o conceito de dano tinham evoluído para o alargamento crescente dos casos de responsabilidade civil objetiva e para a densi- ficação e abertura do conceito de dano, considerado o centro do instituto da responsabilidade civil e um reflexo das várias dimensões – física e psíquica, corporal e mental, afetiva e existencial – da pessoa humana, que eram ignoradas pelo citada «ressonância histórica» da legislação dos acidentes de trabalho, a qual, par- tindo de uma conceção de pessoa humana muito distinta da conceção subjacente à Constituição de 1976, construiu o conceito de dano laboral de uma forma meramente assistencialista incompatível com o direito a uma reparação justa previsto na Constituição [artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da CRP]. À luz da Constituição, o âmbito do conceito de dano laboral está relacionado com a dignidade da pessoa humana e com a tutela constitucional dos seus direitos fundamentais – os direitos ao livre desenvolvimento da personalidade, à integridade física, psíquica e moral, o direito à saúde, o direito ao trabalho – e não apenas com um mínimo de sobrevivência dos trabalhadores e das suas famílias. A este propósito, veja-se como o conceito de acidente de trabalho, definido pela referida legislação, é obsoleto por incluir apenas a lesão física e não a lesão psí- quica, restrição que veio a ser corrigida pela doutrina e pela jurisprudência (cfr. Júlio Gomes, O Acidente de trabalho , Coimbra, 2013, pp. 33-34). A sobrevivência, no essencial, do regime de acidentes de trabalho anterior à Revolução de 25 de abril de 1974 explica-se não pela sua perfeição ou adequação, mas por uma inércia histórica, com a qual a Revisão Constitucional de 1997, consagrando o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quis romper. Dada a teleologia e o espírito que presidiu à Constituição – baseados na dignidade da pessoa humana, na solidariedade e na igualdade – não se pode considerar, como entendeu o Acórdão que fez vencimento, que o legislador da Revisão Constitucional de 1997, quando consagrou o direito à justa reparação dos trabalhadores, no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ), da CRP, tinha apenas por obje- tivo garantir o patamar de proteção dos trabalhadores que era já conferido pela legislação ordinária. Pelo

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