TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
137 acórdão n.º 786/17 Apesar de chegar a conclusão diversa relativamente à constitucionalidade das normas aqui em aprecia- ção, incluo-me na maioria que rejeitou a conceção de que a prestação devida terá um pendor meramente garantístico/assistencialista, e não compensatório, desligado de um cariz indemnizatório, que apenas pre- tende assegurar a subsistência ao sinistrado de acidente de trabalho ou afetado por doença profissional. A meu ver, uma tal conceção, que se pretendeu essencialmente suportada no direito infraconstitucional, pode- ria, além do mais, abrir a porta a uma desvalorização deste direito até a um limite assistencial mínimo, ao sabor das conjunturas, bem longe dos limites constitucionalmente exigidos de que esteja prevista uma justa (e efetiva) indemnização. Aliás, discordei, desde logo, da necessidade de a fundamentação assumir uma clas- sificação doutrinal deste direito – que o relator rotulou como direito fundamental a prestações normativas, não pacífica, do meu ponto de vista, potencialmente comprometedora –, e que, chamando um argumento histórico, identificasse aqui um instituto jurídico-laboral tutelando interesses com dignidade constitucional, discordado eu que se construísse a proteção constitucionalmente devida essencialmente a partir de análise do direito infraconstitucional (veja-se o ponto 9), com toda a volatilidade subjacente. Isto embora o texto ainda afirme que o que “se tornou explicitamente indisponível é a função de assistência e de reparação do trabalhador que a legislação vigente em matéria de infortúnio laboral vinha assegurando”, mas vindo, depois, no correr da fundamentação, a cingir a sua essência ao carácter de pura assistência, e não reparador. Ora, o direito fundamental constitucionalmente consagrado é que define as balizas dentro de cujos limites se dará a conformação legal possível, e, na alínea f ) do n.º 1 do artigo 59.º a Constituição atribui, de modo inequívoco, um cariz inegavelmente indemnizatório a este direito fundamental do trabalhador, que visa reparar os efeitos da lesão, o que, a meu ver, deixa de ser efetiva e suficientemente assegurado pela solução que vem impugnada. Não basta, assim, que exista uma qualquer proteção legal de modo a satisfazer a prescri- ção constitucional, e, seguramente, não o satisfaz uma visão garantística/assistencialista do direito em causa, que fizesse com que, neste caso, como sucede noutras pensões que não estas, a pensão fosse apenas ditada pela “situação de necessidade económica”, presumida “a partir do facto – postulado pelo direito laboral – de que aquele que trabalha por conta de outrem carece da retribuição da prestação de trabalho subordinado para assegurar a sua subsistência e dos seus dependentes”. Afastado o carácter meramente garantístico/assistencialista, e assumida a função indemnizatória carac- terizadora deste direito fundamental, tal deveria significar, de acordo com o meu entendimento, que aqueles que defendessem a existência de um direito a uma justa reparação não deveriam deixar de aceitar que, muitas vezes, a justa indemnização do dano laboral que a Constituição exige não é efetivamente atingida mediante a mera garantia da integridade do salário. No entanto, esta posição acabou por ser minoritária. Por último, sempre me afastaria da fundamentação apresentada quando se tecem considerações genéri- cas sobre algumas consequências do regime em apreciação, umas que não subscreveria, outras que entendo não poderem ser afirmadas pelo Tribunal Constitucional sem mais demonstração, como parte das afirmações conclusivas que a seguir se transcrevem: “De tal regime resultava que os trabalhadores em funções públicas viam a sua capacidade de ganho normalmente ampliada na eventualidade de sofrerem um acidente de tra- balho ou doença profissional, situação que: (i) desvirtuava a função do instituto da reparação por infortúnio laboral, que é a de compensar a perda de capacidade de ganho do sinistrado; ( ii) tendia a privilegiar, do ponto de vista patrimonial, os trabalhadores atingidos relativamente aos não atingidos por infortúnio; ( iii) abria caminho a uma exposição imprudente ao perigo profissional, por força do efeito de moral hazard gerado por essa vantagem; e, em consequência, ( iv) punha em causa a sustentabilidade financeira do sistema.” – Cata- rina Sarmento e Castro. DECLARAÇÃO DE VOTO Dissenti da decisão proferida por entender que o recurso devia ser procedente e a norma questionada declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do direito dos trabalhadores, quando
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