TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
136 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que estabelece o direito de todos os trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. E, por outro lado, em virtude do sentido da decisão que acolhi, afastei-me, necessariamente, da funda- mentação escolhida pelo relator, pelas razões adiante expendidas, e, também, por concordar, em boa parte, com os argumentos apresentados a propósito da violação do artigo 59.º da CRP, pelo Senhor Provedor de Justiça. Considero que as normas em apreciação violam o direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias previsto no mencionado preceito constitucional já que, ainda que se admita uma mar- gem de conformação por parte do legislador relativamente à reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, esta não pode ultrapassar as limitações decorrentes das normas constitucionais, anulando ou inviabilizando o ressarcimento efetivo e justo do dano sofrido em virtude de acidente de trabalho ou doença profissional, que o artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , estabelece. A meu ver, as normas visadas pelo presente recurso de constitucionalidade impedem a acumulação de pensões pagas em consequência de um acidente profissional ou de uma doença profissional, com a “parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador” [alínea b) do n.º 1], ou com a “com a pensão de aposentação ou de reforma (...) na parte em que estas excedam aquela” (n.º 3), assim como a acumulação da pensão por morte com a pensão de sobre- vivência. O seu conteúdo, ao obstar sempre a esta acumulação, afasta a reparação específica e autónoma do dano laboral, que é consumida por via do seu abatimento na remuneração ou pensão conservada. Esta neu- tralização elimina a restauração per se do dano que tal pensão visava, razão pela qual é violadora da garantia constitucional de justa reparação. Resulta do que se diz que me afasto da ideia de que o acidente de trabalho (ou doença laboral), no caso dos trabalhadores da Administração Pública, não produz, mercê das características próprias do emprego público, qualquer dano laboral, por estar garantida a intangibilidade da remuneração, contrariamente ao que defende o relator (veja-se o que refere a Declaração de voto do Conselheiro Lino Ribeiro, ainda que ambos cheguemos a conclusão diferente quanto à inconstitucionalidade da solução). Não só o dano laboral existe, como está subjacente à sua reparação o risco derivado do trabalho prestado. Em meu entender, o ressarcimento do dano laboral implica mais do que a mera garantia de uma retri- buição, sendo esta a contrapartida económica da prestação de trabalho, já que aquela compensação pretende cobrir, para além da perda de salário, outras vertentes que vão além dele, designadamente, a perda de capa- cidade de ganho potencial, ou de oportunidade profissional, como, por exemplo, a diminuição da capaci- dade de progressão na carreira, ou impedimentos à transição para algumas carreiras especiais incompatíveis com a capacidade de trabalho residual resultante do infortúnio laboral (como reconhece o Acórdão), ou, em geral, a capacidade de evoluir profissionalmente; ou a maior dificuldade no exercício das suas funções, nomeadamente, em virtude da menor adaptação ergonómica, dela resultando, por exemplo, maior penosi- dade no cumprimento de funções; ou a impossibilidade de auferir alguns suplementos remuneratórios, por incapacidade para o exercício de tarefas de modo a aceder-lhes; ou a diminuição da satisfação profissional, nomeadamente, por sujeitar o sinistrado a mudança no trabalho habitual. Assim, a minha posição acompa- nha a daqueles que entendem que, em muitos casos, não ficará o dano laboral suficientemente ressarcido, per se, quando se pretende que o salário percebido já engloba a sua compensação, não seguindo aqueles que entendem que o cariz indemnizatório está suficientemente assegurado pela retribuição integral, e afastando- -me, mais ainda, dos que, acompanhando o relator, sustentam que, não sofrendo o trabalhador qualquer diminuição salarial, e sendo esta uma prestação meramente assistencial/garantística, este não tem direito a compensação indemnizatória alguma, visto inexistir dano laboral quando seja percebida pelo trabalhador, por inteiro, no setor público, a remuneração a que este anteriormente tinha direito: segundo esta posição, não estaria em causa “indemnizar o trabalhador, mas assegurar a sua subsistência, posta em risco pela perda de capacidade para efetivar a contrapartida da sua retribuição”, ponto de vista de que não posso deixar de me afastar.
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