TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. Está em causa, com efeito, na intencionalidade que subjaz ao trecho que alude a justa reparação no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ), da Constituição – intencionalidade logo apreensível através do elemento vocabu- lar – a consideração teleológica da vertente indemnizatória no quadro da proteção aos trabalhadores vítimas de acidente laboral e de doença profissional. Em tal plano, a mencionada injunção constitucional, refere-se ao elemento através do qual se alcança, em primeira linha, a supressão do dano, quando a intervenção através da assistência ao sinistrado [o direito deste afirmado no início da alínea f ) ] não esgota (não reverte) esse dano, não recolocando o trabalhador/sinistrado no estado de incolumidade prévio ao evento infortunístico. A ideia de justeza na reparação referencia, pois, o plano indemnizatório, quando este é concretizado por equivalên- cia, com o sentido que subjaz ao artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil. É que, se o direito do trabalhador a ser assistido em virtude de acidente de trabalho sinaliza, primordialmente, uma resposta ao evento infortunístico visando a supressão do dano no quadro de uma reparação por reconstituição natural – que não deixa de con- figurar uma forma de reparação indemnizatória, pois visa (ou também visa) “[…] reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562.º do Código Civil) –, a ideia de reparação justa assume um sentido projetivo mais amplo, sugerindo fortemente visar, essencialmente, o conteúdo da resposta ao acidente traduzido na reparação indemnizatória em dinheiro, aqui considerada na vertente – e estamos a usar as formulações do Decreto-Lei n.º 503/99 que dão conteúdo, na situação aqui em causa, ao direito à reparação (cfr. respetivo artigo 4.º, n.º 4) – de “[i]ndemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho no caso de incapacidade perma- nente” [alínea b) do n.º 4 do referido artigo 4.º]. Ora, sendo neste plano que atua a proibição de acumulação aqui em causa, é por via desta limitação quantitativa ( rectius , redução, suspensão parcial do direito à prestação) de um valor com inegável cariz tabelar, previamente fixado para aquela concreta incapacidade, que se gera a situação que consideramos constitucio- nalmente desvaliosa. Vale como desvalor neste plano – ou seja: como efeito antagónico do valor promovido pela obrigação constitucional de promover uma justa reparação – a diminuição ou suspensão de um direito cujo conteúdo patrimonial, no seu exato elemento quantitativo, já se formou em todos os seus elementos na esfera do titular, adquirindo, por isso mesmo, a natureza de reparação devida àquela pessoa naquela situação, com base em critérios legais pré-definidos (com uma sugestiva proximidade à ideia de liquidação forfaitaire do dano visado). É assim que a garantia, constitucionalmente sedeada, de uma reparação justa no caso de acidente de trabalho, não pressupondo (no plano constitucional direto) valores determinados ou métodos de cálculo específicos, pressuponha, todavia, que o resultado obtido por via da incidência das regras existentes, seja alcandorado à categoria de reflexo valorativo da norma constitucional, e, nesse sentido, seja protegido na sua integralidade, enquanto expressão dos critérios legais de compensação desse dano em concreto. 3.1. Aliás, contrariamente ao que resulta da fundamentação exarada no Acórdão, ao fazer equivaler a manutenção da remuneração anterior ao acidente (salvaguardada, relativamente a estes trabalhadores, no artigo 23.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 503/99) à reconstituição natural, quanto ao dano que (em caso de acidente de trabalho) se expresse numa incapacidade parcial permanente, a avaliação percentual, com refe- rência à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, não deixa de apresentar um âmbito suficientemente amplo, para incluir a modificação negativa da capacidade ativa futura, aferida no quadro de determinada relação laboral, projetada em múltiplas facetas. Mesmo aquelas que, man- tendo incólume a remuneração anterior ao acidente, operam alterações com expressão negativa na ulterior prestação de trabalho, tornando-a mais difícil e penosa, menos adaptada de um ponto de vista ergonómico, menos passível de progressão, mais incerta, etc. Ou seja, a avaliação percentual do dano referido à incapaci- dade parcial permanente não deixa de visar, mesmo aqui, modificações pejorativas da relação do individuo com a prestação de trabalho, independentemente da potencialidade hipotética que apresentassem para se refletir no montante remuneratório (hipótese aqui sempre salvaguardada pelo artigo 23.º, n.º 4, do Decreto- -Lei n.º 503/99). Desconsiderando todas estas dimensões (ou projeções) do dano infortunístico, apesar de conaturais ao conceito de reparação, a orientação sufragada pela maioria acaba por reconduzir – e, com isso,

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