TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

131 acórdão n.º 786/17 essa é uma ponderação que também caberá ao legislador fazer, tendo em conta as funções concretamente em causa. – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, discordando, porém, da fundamentação que a suporta, no que se refere ao parâmetro da «justa reparação». A posição que obteve maioria considera “que os trabalhadores da Administração Pública, em virtude das características próprias do emprego público, não sofrem, normalmente, qualquer redução da capacidade de ganho quando vítimas de infortúnio laboral que os deixa parcialmente incapacitados; por outras pala- vras, no emprego público não se verifica, em princípio, dano laboral, nos casos de incapacidade permanente parcial”. O acidente de trabalho não produz qualquer dano laboral porque a lei garante a intangibilidade da retribuição, ou seja, “a perda definitiva de capacidade de trabalho não tem qualquer consequência no estatuto remuneratório do sinistrado; este continua, ainda que venha a ocupar funções diversas e a beneficiar de horá- rio de trabalho reduzido (nos termos do n.º 3 do artigo 23.º), a manter a totalidade da retribuição e todas as regalias correspondentes à categoria que integra e à posição remuneratória que ocupa». Conclui-se, assim, que é por essa razão que o artigo 41.º, n.º 1, alínea b) , do RAS, na versão que resultou da Lei n.º 11/2014, suspende o pagamento da pensão por incapacidade: sendo o pressuposto do direito a esta a existência de um dano laboral, não faz sentido que a mesma seja paga em circunstâncias – aquelas que caracterizam a relação jurídica de emprego público – que impedem a produção desse dano». Nesse entendimento, a manutenção da “remuneração” auferida à data do acidente tem uma função reparadora do dano laboral, substituindo a pensão a que o sinistrado teria direito caso tivesse cessado a rela- ção de emprego público. Não se deve, porém, perder de vista que a remuneração cumpre função diferente: constitui a contrapartida económica da prestação de trabalho. As prestações de valor pecuniário que um sinistrado com determinada capacidade residual continua a auferir no emprego público são devidas pelo desenvolvimento continuado da sua atividade laboral. Ou seja, a causa determinante da retribuição é o tra- balho prestado, ainda que em funções compatíveis, e não a reparação do dano laboral. Mesmo que se admita que a retribuição não assenta numa lógica essencialmente sinalagmática, a preva- lência da função predominantemente compensatória ou indemnizatória do dano laboral – a que o acórdão faz referência – desvirtua a teleologia do conceito de retribuição constitucionalmente tutelado [artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da CRP]. A retribuição de base, mais do que retribuir o trabalho prestado, representa a posi- ção hierárquica ocupada pelo trabalhador da Administração Pública numa determinada categoria, carreira ou cargo: «a remuneração base é o montante pecuniário correspondente ao nível remuneratóri da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na categoria de que é titular ou do cargo exercido em comissão de serviço» (artigo 150.º, n.º 1, da LGTFP). A remuneração está assim referenciada à titularidade de uma determinada categoria e ao respetivo posicionamento remuneratório do trabalhador. Ora, como o acidente de trabalho não tem por consequência a extinção ou diminuição da categoria que o sinistrado havia adquirido na carreira em que está inserido, a manutenção da remuneração auferia tem subjacente a não discriminação salarial fundada em acidente de trabalho. O que se pretende é que a capa- cidade residual decorrente de acidente de trabalho não seja à partida fator de diferenciação de tratamento remuneratório entre trabalhadores inseridos na mesma categoria e carreira. Se a remuneração é referenciada mais à categoria do que à prestação de trabalho, não há motivo racional e objetivo que justifique alteração do valor da remuneração em consequência do acidente de trabalho. O acidente de trabalho de que resulte incapacidade permanente para o trabalho habitual ou incapaci- dade de ganho produz sempre um dano laboral cuja reparação é constitucionalmente tutelada. O direito à justa reparação por acidente de trabalho é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, que está consagrado na alínea f ) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP. Não obstante o legislador ordinário dispor de uma margem de liberdade de conformação não despicienda na concreta conformação do direito à justa

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