TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
130 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL essa eventualidade já se localiza fora do âmbito de aplicação do artigo 41.º do RAS, valendo para a mesma o disposto no citado artigo 51.º Ou seja, a grande diferença da solução prevista no RAS relativamente ao regime comum verifica-se, assim – e apenas –, no que respeita aos trabalhadores privados que continuam a trabalhar para o empregador ao serviço do qual ocorreu o acidente de trabalho ou a doença profissional: enquanto estes podem cumular a pensão com a remuneração, conforme previsto no artigo 51.º da LAT; os trabalhadores em funções públicas sinistrados que continuem a trabalhar para a Administração Pública não têm idêntica possibilidade, por força do artigo 41.º do RAS. Para além de razões financeiras – o empregador privado não paga a pensão, mas pagou o prémio do seguro obrigatório, enquanto a pensão por incapacidade do trabalhador em funções públicas é suportada diretamente pela Caixa Geral de Aposentações (nos termos dos artigos 5.º, n.º 3, e 34.º do RAS e 21.º da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro), sem que tenha sido pago qualquer “prémio” –, existem duas outras razões que, da perspetiva dos próprios trabalhadores, afastam o caráter arbitrário e ilegítimo da compressão do direito à reparação dos trabalhadores em funções públicas – compressão essa que se traduz na impossibilidade de fazer valer autonomamente e na totalidade o direito à pensão perante a entidade devedora – determinada pelo artigo 41.º do RAS: (i) O direito de ocupação efetiva em funções compatíveis com o respetivo estado (vide o artigo 23.º, n.º 3, do RAS; no setor privado, e não obstante a previsão do artigo 155.º, n.º 1, da LAT, a efeti- vação do dever de ocupação efetiva depende da existência na organização do empregador de tarefas compatíveis, pois de outro modo o contrato de trabalho caduca); (ii) A intangibilidade da remuneração auferida no momento do sinistro (vide o artigo 23.º, n.º 4, do RAS; no setor privado, e não obstante a previsão do artigo 157.º, n.º 2, da LAT, a única garantia do trabalhador que possa continuar a trabalhar para o empregador ao serviço do qual ocorreu o aci- dente ou a doença é a de que a sua retribuição «nunca é inferior à devida pela capacidade restante» – cfr. o n.º 3 do mesmo preceito). Estas duas garantias – as quais, ao afastarem os riscos de diminuição da retribuição atual a que se encontram expostos os trabalhadores sinistrados do setor privado, assumem uma natureza compensatória e permitem reequilibrar as soluções globais a considerar –, em articulação com a aludida razão financeira – que, por sua vez, não é alheia a interesses públicos constitucionalmente relevantes –, justificam as diferentes possibilidades no tocante à acumulação de pensões dos trabalhadores em funções públicas e dos trabalhado- res do setor privado. Por outro lado, a previsão de tais garantias decorre de opções legislativas quanto à conformação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, a que são alheias quaisquer diferenças estruturais entre o trabalho em funções públicas e no setor privado. Do ponto de vista constitucional, nada impede que a solução legal geral daquela reparação em relação aos trabalhadores em funções públicas não contemple as duas aludidas garantias e, consequentemente, se reconduza, no que às acumulações diz respeito, ao regime comum consagrado no artigo 51.º da LAT. Do mesmo modo, a Constituição também não proíbe que, mesmo encontrando-se garantidos o direito de ocupação efetiva e a intangibilidade da remuneração relativa- mente aos trabalhadores em funções públicas, o legislador admita a acumulação irrestrita, tal como prevista no artigo 41.º do RAS, antes da modificação introduzida pela Lei n.º 11/2014, atentas as possibilidades e capacidades neste domínio reconhecidas e exigidas aos empregadores públicos. Com efeito, uma vez garan- tido o conteúdo essencial do direito à justa reparação, cabe ao legislador determinar a solução globalmente mais justa e conveniente, relevando para o efeito, em especial, a definição da responsabilidade pelo financia- mento e a avaliação das possibilidades organizatórias dos empregadores, públicos ou privados, e não tanto o modo de estruturação da atividade dos trabalhadores ao seu serviço. Isto sem prejuízo, naturalmente, de as especificidades de certas atividades – em si mesmas consideradas, e não necessariamente ou apenas por serem exercidas em regime de emprego público – poderem exigir e justificar desvios às regras gerais. Mas
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