TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
127 acórdão n.º 786/17 restante». É certo que a lei concebe esta possibilidade como ultima ratio e condiciona a sua materialização ao cumprimento escrupuloso, por parte do empregador, dos deveres de requalificação profissional e ocupa- ção efetiva impostos pelos artigos 155.º, 156.º e 157.º, n. os 1 e 2. Mas tal apenas evidencia a aderência do regime a uma sequência lógica de etapas: dada a preferência sistemática dos direitos romano-germânicos pela reconstituição natural em detrimento da reparação por sucedâneo pecuniário, o empregador está obrigado a contribuir para a reabilitação profissional do trabalhador – que, em caso de êxito, absoluto ou relativo, deverá conduzir a uma revisão em baixa da pensão, nos termos previstos no artigo 70.º (neste sentido, vide o Acórdão n.º 433/16) –, antes de recorrer a uma medida, a redução definitiva da retribuição, que tem por pressuposto a irreversibilidade da incapacidade de trabalho. Acresce que esta possibilidade, pese embora exce- cional na ordem da legalidade, é a mais comum na ordem da realidade: no mercado de trabalho, a remune- ração paga pelo empregador é a contrapartida do contributo do trabalhador para a produção da empresa ou organização à qual se encontra adstrito. Se a produtividade do trabalhador é reduzida, a título permanente, pelo facto de este ter adquirido uma incapacidade parcial, a tendência natural é para que essa desvalorização se venha a refletir de modo negativo na sua retribuição; assim é porque o montante desta corresponde ten- dencialmente ao valor de mercado da prestação de trabalho integral. Na verdade, a lei parte do princípio de que não é exigível que o empregador – para o qual o valor do trabalho corresponde à sua utilidade produtiva e o qual responde pela eficiência da sua organização – remunere o trabalhador para além da sua prestação laboral. Não admira, pois, que a lei permita a acumulação entre a remuneração e a pensão por incapacidade, por um lado, e entre esta e a pensão de reforma, por outro; na generalidade dos casos, implicando o infor- túnio laboral a redução dos proveitos do trabalho e, por essa via, a deterioração da carreira contributiva, a pensão por incapacidade desempenha a sua função normal de reparação da perda de capacidade de ganho. Mas se é assim – cabe perguntar – por que razão se admite a acumulação das prestações em causa, mesmo na eventualidade, seguramente invulgar, mas que a própria lei admite como possível, de o trabalha- dor vir «a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente» (artigo 51.º, n.º 1)? A resposta é a de que não se pode razoavelmente inferir do facto de o trabalhador auferir retribuição mais elevada do que aquela que tinha antes da ocorrência do infortúnio, que não sofreu qualquer dano laboral, ou seja, qualquer redução permanente da sua capacidade de ganho. A retribuição mais elevada pode dever-se a inúmeros fatores, como o esforço acrescido do trabalhador, a rentabilização de capacidades latentes, a aquisição de novas competên- cias ou a materialização de oportunidades de mercado – fatores que em nada infirmam a presunção de que, ceteris paribus , o trabalhador obtém um ganho reduzido por comparação com uma situação hipotética em que não tivesse sofrido infortúnio laboral. É certo que podem ocorrer situações em que o trabalhador recebe a pensão por incapacidade, apesar de não ter perdido efetivamente capacidade de ganho. Simetricamente, podem ocorrer casos em que o tra- balhador, parcialmente incapacitado em virtude de acidente de trabalho, vê o seu vínculo laboral cessar por qualquer razão que lhe não é imputável – v. g. , verificação do termo de contrato de trabalho a termo certo (artigo 344.º do Código do Trabalho) ou despedimento por extinção de posto de trabalho (artigo 367.º e seguintes) –, e não consegue, de facto, encontrar emprego para a sua capacidade residual de trabalho; nestes casos, a pensão por incapacidade permanente parcial é insuficiente para reparar o dano laboral efetivamente sofrido pelo sinistrado. Estas possibilidades existem por força da própria natureza do instituto da reparação por infortúnio laboral, o qual – ao contrário do instituto da responsabilidade civil – não promove uma justiça individual, orientada para o caso concreto, mas uma justiça geral, orientada para o caso médio – o que se revela, desde logo, no facto de a incapacidade ser determinada de acordo com uma tabela e de a reparação ser tarifada. Todo o sistema se baseia no postulado da convergência tendencial, determinada pela lógica de funciona- mento do mercado laboral, entre a capacidade de ganho e a capacidade de trabalho, sem prejuízo das infinitas possibilidades abertas pela diversidade e a aleatoriedade da vida. A permissão incondicional de acumulação, estabelecida nos n. os 1 e 2 do artigo 51.º do RAT, repousa naturalmente nessa premissa.
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