TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

124 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Podem dar lugar à transferência para outros serviços ou organismos públicos, à criação de excedentes inati- vos, etc, mas não podem justificar de modo algum a dispensa dos atingidos (…)». Daí que o n.º 3 do artigo 23.º, após consagrar o direito do trabalhador a ocupar funções compatíveis com o seu estado, a adaptação ao posto de trabalho e o trabalho em tempo parcial, determine que este tem o «o dever de se candidatar a todos os procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho previstos nos mapas de pessoal dos órgãos ou serviços» – o mesmo é dizer, o dever de colocar a sua capacidade residual de trabalho ao serviço das neces- sidades da Administração Pública. Na verdade, tendo em conta as amplíssimas possibilidades objetivas do «trabalho em funções públicas», o prejuízo remuneratório que o trabalhador sofra na sua carreira em virtude de possuir uma incapacidade de trabalho parcial, deverá constituir uma forma de discriminação, proibida nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, 47.º, n.º 2, e, em algumas situações, 71.º, n.º 1, da Constituição. A idêntica conclusão se chega, ainda que por via ligeiramente diversa, nos casos atípicos de trabalha- dores em funções públicas inseridos em carreiras especiais, que a lei define como aquelas «cujos conteúdos funcionais caracterizam postos de trabalho de que apenas um ou alguns órgãos ou serviços carecem para o desenvolvimento das respetivas atividades» (artigo 84.º, n.º 3). Neste âmbito, é possível, de facto, que a perda de capacidade funcional do trabalhador vitimado por infortúnio laboral inviabilize o desempenho de tarefas essenciais da função a que a carreira diga respeito; serão os casos do agente policial que perde a mobilidade, do professor que perde a voz ou do oficial de justiça que perde a visão. Mas, nesses casos, a sua incapacidade é – por definição – absoluta, implicando a extinção do vínculo de emprego público e o pagamento da pen- são por incapacidade correspondente. Pelo contrário, nos casos em que a perda de capacidade não obsta ao exercício da função, atingindo apenas a produtividade do trabalhador ou a sua capacidade de realizar tarefas não essenciais, valem todas as considerações feitas, a propósito do caso-padrão das carreiras gerais, sobre a circunstância de se não verificar, em princípio, qualquer prejuízo para a capacidade de ganho potencial do sinistrado. A única oportunidade profissional dentro da Administração Pública que um trabalhador vitimado por infortúnio laboral perde em qualquer circunstância, em virtude da incapacidade parcial que adquiriu, é a de vir a ingressar numa carreira especial cujo conteúdo funcional é essencialmente incompatível com a sua capacidade de trabalho residual. Mas deve notar-se que esse prejuízo – relativamente extravagante – tem uma expressão negligenciável no quadro de um regime orientado, não para a indemnização do lesado, mas para a garantia da sua subsistência continuada; além do mais, o facto de os sinistrados, no âmbito do RAS, mante- rem a totalidade do seu vencimento – em vez de receberem, como dispõe o regime comum, apenas 70% da parcela da retribuição correspondente à incapacidade –, constitui uma forma indireta de compensação desse dano intersticial. Resulta do exposto que a alteração operada pela Lei n.º 11/2014 no regime da acumulação de pres- tações constante do artigo 41.º do RAS, se destinou a corrigir um desequilíbrio no regime anterior, que permitia que o trabalhador parcialmente incapacitado por infortúnio laboral, pese embora a intangibilidade da retribuição, regalias e oportunidades profissionais que tinha no momento da ocorrência do acidente ou do diagnóstico da doença, recebesse uma pensão cuja função é exclusivamente a de compensar uma perda de capacidade de ganho. De tal regime resultava que os trabalhadores em funções públicas viam a sua capa- cidade de ganho normalmente ampliada na eventualidade de sofrerem um acidente de trabalho ou doença profissional, situação que: (i) desvirtuava a função do instituto da reparação por infortúnio laboral, que é a de compensar a perda de capacidade de ganho do sinistrado; ( ii) tendia a privilegiar, do ponto de vista patri- monial, os trabalhadores atingidos relativamente aos não atingidos por infortúnio; ( iii) abria caminho a uma exposição imprudente ao perigo profissional, por força do efeito de moral hazard gerado por essa vantagem; e, em consequência, ( iv) punha em causa a sustentabilidade financeira do sistema. Em suma, através desta alteração, o legislador restaurou, dentro dos quadros próprios do RAS, a harmonia funcional do sistema de proteção dos servidores públicos em caso de infortúnio laboral. Resta esclarecer uma dúvida. Se o pagamento da pensão por incapacidade parcial é suspenso, no domínio dos infortúnios laborais em funções públicas, em virtude de, nesse domínio, se não verificar, em princípio,

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