TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

123 acórdão n.º 786/17 qual a pensão por incapacidade se destina também a reparar a perda de «capacidade de progredir normal- mente na carreira», de «potencialidade de obter rendimento», da «capacidade de evoluir profissionalmente» ou das «perspetivas em termos de carreira» decorrentes de infortúnio laboral. Pode pensar-se que o acidente de trabalho ou a doença profissional, ao deixar o trabalhador parcial- mente incapacitado, constitui um obstáculo à progressão profissional dentro da Administração Pública. No exemplo dado na fundamentação do pedido, «um técnico superior jurista que sofre um acidente de trabalho, do qual resulta a amputação de um membro inferior (…) poderá ver, por exemplo, dificultado o exercício de outras funções, com as de inspeção, envolvendo a necessidade de deslocações frequentes (…) [com prejuízo para as suas] perspetivas de evolução profissional.» Mas este exemplo não tem em devida conta diferenças relevantes entre o emprego público e a relação laboral sujeita ao regime comum. Sem prejuízo da denominada «laboralização da função pública» (vide, entre muita jurisprudência constitucional pertinente, o Acordão n.º 474/13), cujo traço mais saliente é porventura a substituição do ato administrativo de nomeação pelo contrato de trabalho em funções públicas como modalidade típica de constituição do vínculo de emprego público, há relevantes diferenças entre o trabalho comum e o trabalho em funções públicas que se projetam de modo decisivo no domínio dos infor- túnios laborais. O objeto daquele é, paradigmaticamente, uma prestação laboral conformada pelo contrato de trabalho celebrado entre o empregador e o trabalhador; em princípio, este ocupa um determinado posto de trabalho e exerce uma determinada função no âmbito da empresa ou organização do empregador. Pelo contrário, o emprego público – hoje regulado pela Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 20/2014, de 20 de junho (adiante referida pela sigla «LTFP») – é estruturado de modo tipicamente diverso. O objeto da relação jurídica de emprego público não é uma prestação laboral, consubstanciada num determinado posto e função, mas o serviço público no âmbito de uma carreira, normalmente de natureza geral (artigo 84.º, n.º 4, da LTFP), definida pela lei como aquela «cujos conteúdos funcionais caracterizam postos de trabalho de que a generalidade dos órgãos ou serviços carece para o desenvolvimento das respetivas atividade» (artigo 84.º, n.º 2, da LTFP). Dentro da carreira, o trabalhador ocupa, não um posto de trabalho, mas uma categoria, com um conteúdo funcional genérico, podendo as carreiras ser unicategoriais ou plu- ricategoriais (artigo 85.º). Na carreira geral de técnico superior, por exemplo, a categoria única de técnico superior tem, nos termos do Anexo à LTFP para o qual remete o n.º 2 do artigo 88.º, o seguinte conteúdo, em versão abreviada: «funções consultivas, de estudo planeamento programação, avaliação e aplicação»; «ela- boração de pareceres e projetos e execução de outras atividades de apoio geral»; «funções exercidas com res- ponsabilidade e autonomia técnica»; e «representação do órgão ou serviço em assuntos da sua especialidade». Ora, dada a extensão do conteúdo funcional do trabalho em funções públicas, a incapacidade parcial do trabalhador – v. g. , a impossibilidade de conduzir inspeções – não deve obstar a que este desempenhe funções compatíveis com a sua capacidade de trabalho residual, seja avaliado pelo desempenho no exercício de tais funções, progrida nas posições remuneratórias da sua categoria e possa ingressar, pela antiguidade ou por concurso, numa categoria superior dentro da sua carreira pluricategorial ( v. g. , um assistente operacio- nal ascender a encarregado operacional) ou numa carreira superior àquela em que está inserido ( v. g. , um assistente técnico candidatar-se a técnico superior). Por essa razão, no domínio das carreiras gerais, não faz sentido considerar a possibilidade de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, ao contrário do que sucede no regime comum dos infortúnios laborais [artigo 3.º, n.º 1, alíneas l) e m), do RAS]. Sendo a norma, no emprego público, a de que não há «trabalho habitual», mas apenas categorias funcionais genéricas, o sinis- trado, ou se encontra incapacitado para todo e qualquer trabalho em funções públicas – caso em que a sua incapacidade é absoluta e importa a extinção do vínculo de emprego público –, ou não pode prestar somente alguns tipos particulares de trabalho – caso em que a sua incapacidade é parcial, não prejudicando o trabalho em funções compatíveis com a sua capacidade residual. É em função destas relevantes diferenças entre o emprego público e o trabalho comum que o Tribunal Constitucional afirmou, no Acórdão n.º 154/86, ainda que num contexto diverso, que «[n]em a extinção ou remodelação de serviços podem constituir motivo adequado para [o Estado dispensar os seus funcionários].

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=