TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
119 acórdão n.º 786/17 elemento perene do instituto da reparação por infortúnio laboral – prende-se, essencialmente, com a previsi- bilidade proporcionada pelo regime de reparação tarifada (por contraposição a um regime de liquidação do dano) e com a finalidade garantística dessa reparação (por contraposição a uma finalidade indemnizatória). Para além destas razões, de ordem teleológica ou funcional, também concorrem no último sentido alguns argumentos extraídos da lei. Em primeiro lugar, ao classificar as diversas espécies de incapacidade permanente, o artigo 19.º, n.º 3, do RAT, admite que a incapacidade absoluta possa ser «para o trabalho habitual» ou «para todo o tipo de tra- balho», sendo a pensão devida superior no segundo caso (artigo 48.º, n.º 3); ora, se a lei atribui, para efeitos de graduação da carência económica do sinistrado, um valor positivo à capacidade residual para participar no mercado de trabalho, tem de presumir-se, por uma questão de coerência, que atribui um valor negativo à depreciação dessa capacidade. Em segundo lugar, o artigo 21.º dispõe que «o grau de incapacidade [é determinado], em todos os casos,(…) em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e pro- fissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão»; ora, se a capacidade funcional residual releva em todos os casos, deve admitir-se que a perda de oportunidades profissionais é considerada na determinação da incapacidade parcial. Finalmente, a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro – para a qual remete o artigo 23.º do RAT –, faz geralmente corresponder, a cada tipo de lesão, uma «moldura abstrata» de incapacidade ( v. g. , escoliose pronunciada – 0,11-0,15; fístula vesico-retal – 0,55-0,65; incontinência urinária – 0,21-0,45); significa isto que a determinação do coeficiente concreto de incapaci- dade está balizada por limites máximos e mínimos – ainda que estes sirvam de mera orientação da avaliação médico-legal –, limites esses que não têm obviamente em conta qualquer tipo particular de trabalho, antes refletindo um juízo abstrato sobre a repercussão de certa categoria de lesão no exercício da vida ativa. Ambas as conceções de dano laboral – a restrita e a ampla – são, em abstrato, conformes a uma inter- pretação funcionalmente adequada do instituto da reparação por infortúnio laboral. O pedido do requerente reflete inequivocamente a adesão a uma conceção ampla, como decorre da leitura dos §§ 17.º a 23.º e 36.º da fundamentação do pedido de fiscalização da constitucionalidade das normas sindicadas, em que se subli- nha a repercussão negativa do infortúnio laboral na «capacidade de progredir normalmente na carreira», na «potencialidade de obter rendimento», na «capacidade de evoluir profissionalmente» e nas «perspetivas em termos de carreira». Todavia, o Tribunal não vê qualquer utilidade em se pronunciar, no âmbito deste pro- cesso, sobre essa exata questão. Embora a definição precisa do conceito de dano laboral seja imprescindível para uma determinação exaustiva do conteúdo do direito fundamental à assistência e justa reparação em caso de acidente de trabalho ou doença profissional, a mesma não influi decisivamente sobre o exame do thema decidendum. Na verdade, como se verá, qualquer que seja a conceção de dano laboral adotada – restrita ou ampla –, o sentido da decisão sobre a constitucionalidade das proibições de acumulação introduzidas no RAS pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, é o mesmo. Por essa razão, a questão da definição de dano laboral, para efeitos da determinação do conteúdo do direito fundamental a assistência e justa reparação, reveste-se, neste âmbito, de interesse teórico. 11. Os trabalhadores da Administração Pública são titulares do direito fundamental à assistência e repa- ração em caso de infortúnio laboral, direito que impõe a reconstituição ou compensação da perda de capa- cidade de ganho da vítima de acidente de trabalho ou doença profissional. No entanto, não lhes é aplicável, em geral, o regime comum dos acidentes de trabalho e doenças profissionais; os infortúnios laborais no setor público são, e sempre foram, objeto de um regime especial. Importa, pois, dar conta das diferentes soluções legais para os casos de incapacidade permanente adotadas neste domínio. O primeiro diploma em matéria de acidentes em serviço foi o Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de novem- bro de 1951, cujo âmbito material de aplicação foi alargado às doenças profissionais através do disposto no Decreto-Lei n.º 45 004, de 27 de abril de 1963. O seu artigo 12.º determinava que «[n]o caso de se verificar
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