TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

118 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (v) Ao contrário do que sucede na Alemanha – e do que sucedia, com a exceção dos danos morais, na legislação portuguesa anterior à Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro –, a responsabilidade do empre- gador pela reparação do dano laboral não tem como contrapartida a isenção de responsabilidade pela indemnização do dano civil, nos termos gerais. Com efeito, o artigo 18.º do RAT determina que o trabalhador tem o direito a reparação integral no caso de o infortúnio se ficar a dever a con- duta culposa do empregador (ou de outros agentes na sua dependência), sem prejuízo de a indem- nização não poder, naturalmente, exceder o dano residual. ( vi) De acordo com o artigo 82.º, no caso de insolvência da entidade seguradora, o pagamento das pen- sões atribuídas em virtude de infortúnio laboral é assegurado pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, o qual também assegura o pagamento dos prémios de seguro quando a entidade empregadora se encontrar impossibilitada de o fazer. Ao subtraírem a reparação por infortúnio laboral às vicissitu- des do mercado, estas disposições reforçam a sua natureza garantística. 10. Como vimos, o conteúdo do direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição, corresponde à função desempenhada pelo instituto da reparação por infortúnio laboral; é, em termos apro- ximados, o direito a que seja preservada a função essencial desse instituto. Temos, por isso, que tal direito constitui uma garantia de reparação do dano laboral, o mesmo é dizer, de reconstituição ou de compensação da capacidade de ganho perdida pelo trabalhador em virtude de ter sofrido um acidente de trabalho ou de ter contraído uma doença profissional. Importa agora aprofundar a noção de perda de capacidade geral de ganho, o mesmo é dizer, de dano laboral. Pode entender-se que o dano laboral diz apenas respeito à capacidade de o sinistrado continuar a prestar o trabalho pelo qual aufere a sua retribuição (a capacidade de ganho atual), pelo que não é devida qualquer reparação pela desvalorização ou incapacidade de o sinistrado prestar outro tipo de trabalho (a capacidade de ganho potencial); em suma, é compensada a perda de produtividade, mas não a perda de oportunidade. Esta posição pode valer-se do facto de a pensão por incapacidade ser invariavelmente calculada tendo por base a retribuição auferida na data da ocorrência do acidente ou do diagnóstico da doença e não, por exemplo, o rendimento potencial – em todo o caso, indeterminável – do trabalhador. Na verdade, em todos os casos de incapacidade permanente, o sinistrado recebe uma percentagem do valor da retribuição – de 80% ou de 50% a 70% do valor total, consoante se trate de incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho ou incapaci- dade absoluta para o trabalho habitual, e de 70% do valor correspondente ao coeficiente de incapacidade, no caso de incapacidade parcial (artigo 48.º do RAT) –, o que aponta no sentido de que a função da pensão por incapacidade é a de reparar a perda presumível de retribuição. Esta noção de dano laboral é ainda coerente com uma certa conceção – restritiva – da função de garantia da reparação por infortúnio laboral: não está em causa indemnizar o trabalhador, mas assegurar a sua subsistência, posta em risco pela perda de capacidade para efetivar a contrapartida da sua retribuição. O entendimento contrário é o de que o dano laboral compreende a perda de oportunidade profissional, ou seja, a desvalorização do sinistrado no mercado de trabalho, e não apenas no seu trabalho habitual. Neste sentido, concorre o argumento de que a reparação por infortúnio laboral não se destina apenas a compensar a perda imediata de rendimentos de trabalho, mas a perda de capacidade do sinistrado para, ao longo da fase ativa do ciclo de vida, se fazer valer da força de trabalho para assegurar a subsistência continuada de si pró- prio e dos seus dependentes. Com efeito, numa economia de mercado, o «trabalho habitual» é uma realidade contingente, estando sujeita a vicissitudes várias, como a modificação dos padrões de consumo, o desenvol- vimento tecnológico ou os humores da economia; o que assegura a subsistência continuada do trabalhador é a possibilidade permanente de colocar a sua força de trabalho no mercado, possibilidade essa comprometida quando sofre uma lesão em virtude da qual se verifica uma redução das suas capacidades profissionais. Por outro lado, não prejudica necessariamente esta conclusão o facto de a pensão por incapacidade ser calcu- lada tendo por base a retribuição auferida no momento do infortúnio. O fundamento dessa solução – um

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