TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
117 acórdão n.º 786/17 incapacidade permanente, a reparação do dano causado ao trabalhador é feita pela compensação (através de uma prestação periódica em dinheiro) da redução na capacidade de trabalho ou ganho da vítima acarretada por aquela. Já o direito à reparação em espécie – neste caso reparações de natureza médica – é devido sempre que estas prestações se mostrem necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida ativa. A função das prestações em espécie é, assim, dirigida à reintegração da situação, no que for médica e tecnicamente (em cada momento) possível.» É certo que, no direito português, a responsabilidade pela reparação cabe à entidade patronal, o que permitirá porventura ainda qualificá-la como uma forma de responsabilidade civil, de tipo objetivo, assente no entendimento de que, devendo-se os infortúnios laborais à materialização de riscos inerentes à prestação do trabalho, é justo que por eles respondam os empregadores. Aliás, e como vimos, na origem do instituto da reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais, estão regimes de responsabilidade objetiva; é o caso da lei prussiana de 1838, da lei alemã de 1871 e da lei francesa de 1898. Porém, importa não confundir o essencial com o contingente. Comum a todos os sistemas neste domínio é a reparação do dano estritamente laboral, consubstanciado na perda de capacidade de ganho do trabalhador vítima de acidente de trabalho ou doença profissional. O que varia de sistema para sistema, de acordo com as suas tradições e opções legislativas, é a forma jurídica – privada ou pública – e os agentes de financiamento – empregadores ou contribuintes – através dos quais se efetiva essa reparação, bem como as funções acessórias que estas desempenham. Na verdade, a função essencialmente garantística do instituto da reparação por infortúnio laboral não se revela apenas na definição do dano reparável. Ela perpassa todo o regime comum dos acidentes de trabalho: (i) É considerado acidente de trabalho aquele que ocorrer «no exercício do direito de reunião ou de ati- vidade de representante dos trabalhadores» [artigo 9.º, n.º 1, alínea b) ] e «[e]m atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso» [alínea g) ]. Nestas situações, em que não se consegue discernir qualquer nexo etiológico entre a autoridade ou o interesse do empregador e o infortúnio do trabalhador, o conceito de acidente de trabalho excede largamente o âmbito da responsabilidade civil. ( ii) Ao contrário do que decorre das regras gerais, a culpa do lesado não exime o empregador de respon- sabilidade objetiva (na terminologia da lei, não «descaracteriza o acidente de trabalho»), exceto se o acidente tiver sido «dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier do seu ato ou omissão que importe a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo emprega- dor ou previstas na lei» [artigo 14.º, n.º 1, alínea a) ] ou «[p]rovier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado» [alínea b]. Este regime revela a prevalência da função garantística sobre o princípio da imputação no instituto da reparação por infortúnio laboral. ( iii) Os créditos provenientes do direito à reparação são «inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis» (artigo 78.º), sendo a regra geral a de que a reparação reveste a forma de uma pensão vitalícia, paga mensalmente (artigo 72.º, n.º 1), cuja remição está sujeita a limites apertados (artigo 75.º, n.º 2). Estas soluções têm em vista assegurar a função primária da reparação por infortúnio laboral: a sub- sistência continuada do trabalhador e/ou dos seus dependentes. ( iv) Nos termos do artigo 17.º, «[q]uando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de ação contra aqueles, nos termos gerais» (n.º 1) e «[o] empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogarse no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente» (n.º 4). Resulta destes preceitos que a reparação do dano laboral constitui uma derrogação do princípio casum sentit dominus e, nessa medida, uma garantia subsidiária em relação à reparação integral.
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