TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Pese embora esta sucessão de leis, o sistema português não sofreu alterações de grande monta desde as suas origens, sendo de assinalar a resistência do legislador em acompanhar a tendência, verificada no resto da Europa, para a incorporação dos acidentes de trabalho no âmbito material da segurança social. Com efeito, não obstante a «declaração de princípio» constante do artigo 52.º, n.º 1, alínea d) , das Bases da Segurança Social, aprovadas pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, a reparação por acidentes de trabalho continua a assentar no modelo de transferência obrigatória de responsabilidade do empregador para uma entidade segu- radora; por outro lado, no que diz respeito às doenças profissionais, a proteção passou a ser garantida no qua- dro da segurança social a partir de 1981, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200/81, de 9 de julho. 9. Os vários regimes de acidentes de trabalho e doenças profissionais – quer aqueles que se reconduzem ao sistema de segurança social, quer os que dão corpo ao modelo de seguro obrigatório – partilham uma característica comum: visam a reparação, não do dano integral (o «dano civil»), mas de um dano restrito (o «dano laboral»). É aqui que se encontra a chave para compreender a função do instituto da reparação por infortúnio laboral – e, nessa exata medida, o conteúdo do direito consagrado na alínea f ) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Nos termos do artigo 8.º do RAT, «[é] acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulta redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte». Há dois aspetos a reter nesta definição, semelhante à que se pode encontrar em qualquer legislação estrangeira na matéria. O primeiro é que o acidente de trabalho se consubstancia num certo tipo de lesão: «lesão corporal, perturbação funcional ou doença»; um acidente ocorrido no local de trabalho, do qual o trabalhador sai ileso, mas em virtude do qual é destruído um aparelho eletrónico de que é proprietário, não constitui, nestes termos, um infortúnio laboral. O segundo é que o regime jurídico dos acidentes de traba- lho considera apenas uma certa categoria de danos resultantes do tipo de lesão que constitui um infortúnio laboral: aqueles que se consubstanciam na «redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou [n]a morte» do lesado; os danos não patrimoniais e os danos patrimoniais que não se traduzam, por força de morte ou de incapacidade, numa perda de rendimentos de trabalho, situam-se fora do âmbito da reparação concedida por este instituto. Tudo isto é coerente com o regime da reparação, também ele semelhante ao que se encontra em legis- lações estrangeiras. Segundo o artigo 23.º do RAT, o direito à reparação compreende prestações em espécie – «de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras» – e em dinheiro – «indemni- zações, pensões, prestações e subsídios». E quanto às primeiras, a lei determina que podem revestir qualquer forma, «desde que necessária e adequada ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.» A leitura destes preceitos revela que a reparação por acidentes de trabalho não desempenha uma função indemnizatória – a reconstituição da «situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», segundo a definição constante do artigo 562.º do Código Civil –, mas uma função garantística – a de restabelecer ou substituir a capacidade de ganho inerente ao exercício da vida ativa numa economia de mercado. A sua finalidade essencial não é a transferência de um dano para a esfera de terceiro que por ele se possa reputar responsável – o que justificaria, pelo menos prima facie , o direito a indemnização, ou seja, a reparação integral –, mas a reparação de uma situação de necessidade económica, que se presume a partir do facto – postulado pelo direito laboral – de que aquele que trabalha por conta de outrem carece da retribuição da prestação de trabalho subordinado para assegurar a sua subsistência e dos seus dependentes. Como se escreveu no Acórdão n.º 433/16: «[A] principal função das pensões é a de substituição ou compensação da perda de contribuição que o ven- cimento do próprio trabalhador representava para a sua subsistência. Verificada (médica e judicialmente) uma
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