TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
115 acórdão n.º 786/17 ação de responsabilidade civil fosse julgada procedente pelos tribunais comuns, dando lugar à liquidação de todos os danos patrimoniais e morais sofridos pelo lesado. 8. O sistema alemão de proteção social contra acidentes de trabalho e doenças profissionais manteve-se, nos seus aspetos essenciais, inalterado desde a sua génese até ao momento presente. Entretanto, entre finais do século XIX e o início do século XX, a generalidade dos países industrializados adotaram sistemas mais ou menos inspirados no exemplo alemão. No Reino Unido, foi aprovado em 1897 o Workers’ Compensation Act , que permitia ao trabalhador vitimado por infortúnio laboral optar entre a pensão por incapacidade e a ação de responsabilidade civil. Em França, foi aprovada em 1898 a Loi sur les Responsa- bilités des Accidents dont les Ouvriers sont Victimes dans leur Travail, que estabelecia a obrigação de os empre- gadores pagarem ao trabalhador sinistrado uma reparação tarifada ( forfaitaire ), independentemente de culpa. Em Itália, também em 1898, foi aprovada a Legge 17 marzo 1898 n.º 80, que instituiu a obrigatoriedade da celebração, pela entidade patronal, de seguro contra os infortúnios laborais sofridos pelos trabalhadores ao seu serviço. Nos Estados Unidos da América, a primeira lei de âmbito geral em matéria de acidentes de trabalho foi aprovada no Estado de Nova Iorque, em 1910, com a denominação An Act to Amend the Labor Law, in Relation to Workmen’s Compensation in Certain Dangerous Employments . A tendência seguida na Europa, ao longo do século XX, foi a da convergência cada vez mais estreita em torno do arquétipo germânico, através da incorporação gradual da proteção contra acidentes de trabalho e doenças profissionais no âmbito da segurança social – nuns casos financiada através de contribuições e nou- tros através de receitas fiscais –, acentuando a demarcação da reparação por infortúnio laboral em relação ao instituto da responsabilidade civil. Nos Estados Unidos, pelo contrário, prevaleceu, na generalidade das jurisdições estaduais, um modelo em que a reparação, igualmente consubstanciada em assistência médica e prestações pecuniárias, é efetuada por entidades seguradoras contratadas para esse efeito pelos empregadores, ao abrigo de legislação que estabelece a obrigatoriedade de transferência da responsabilidade e determina o conteúdo do contrato através da imposição de uma apólice uniforme. O sistema português de proteção em caso de infortúnio laboral compreende ambos os modelos, dado que os acidentes de trabalho têm um regime semelhante ao prevalecente nos Estados Unidos – transferência obrigatória da responsabilidade pela reparação para uma entidade seguradora (artigo 79.º, n.º 1, do RAT) –, ao passo que as doenças profissionais se integram no âmbito material do regime geral de segurança social dos trabalhadores (artigo 93.º, n.º 1, do RAT). Em Portugal, o primeiro diploma em matéria de acidentes de trabalho foi aprovado em 1913 (Lei n.º 83, de 24 de julho de 1913), consagrando o direito dos «operários e empregados» a «assistência clínica, medicamentos e indemnizações» a cargo do empregador em caso de «acidente de trabalho, sucedido por ocasião do serviço profissional e em virtude desse serviço», independentemente de culpa; as indemnizações, reguladas nos artigos 5.º (para o caso de morte) e 6.º (para o caso de incapacidade), eram fixadas em percen- tagens da remuneração dada como perdida, em termos análogos aos da generalidade das legislações vigentes noutros países em matéria de infortúnio laboral. Entretanto, através do Decreto n.º 5637, de 10 de maio de 1919, foi imposta aos empregadores a obrigatoriedade de transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho e doenças profissionais para uma entidade seguradora. Este regime foi substituído em 1936, com a entrada em vigor da Lei n.º 1942. Preservados os traços essenciais da legislação pretérita, o novo diploma veio alargar a responsabilidade do empregador por aci- dentes de trabalho, nos termos da denominada «teoria do risco de autoridade», explicitamente adotada no Parecer da Câmara Corporativa sobre a Proposta de Lei n.º 67, de 7 de fevereiro de 1936. A esta lei, que se manteve em vigor até 1971, sucederam-se a Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965; a Lei n.º 100/97, de 13 de setembro (regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril); e a Lei n.º 98/2009, de 4 de setem- bro, atualmente em vigor, a qual, nos termos do n.º 1 do seu artigo 1.º, «regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.»
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