TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É certo que, em teoria, os trabalhadores podiam proteger-se do risco de acidente de trabalho ou de doença profissional através da exigência, junto da entidade patronal, de um prémio salarial destinado a adquirir seguros comerciais de acidentes de trabalho e de cuidados de saúde. Na realidade, porém, a insufi- ciência e assimetria de informação relativa ao perigo profissional, por um lado, e a natureza muito incipiente do mercado de seguros, por outro, deixavam o trabalhador oitocentista completamente exposto ao risco de infortúnio laboral. Privados de indemnização pelos danos sofridos, de proteção concedida por uma entidade seguradora e da retribuição devida pela colocação da sua força de trabalho no mercado, os sinistrados e os seus dependentes ficavam destituídos de meios de subsistência e entregues à caridade alheia. Os acidentes de trabalho tornavam-se, assim, uma das grandes questões sociais da era industrial. Tiveram lugar na Alemanha as iniciativas pioneiras e modelares neste domínio. O primeiro impulso foi dado na Prússia, no segundo quartel do século XIX. Uma lei aprovada em 1838, aplicável aos caminhos de ferro ( Gesetz über die Eisenbahn-Unternehmungen ), que previa, no § 25, a responsabilidade objetiva do transportador pelos prejuízos causados aos passageiros e a «outras pessoas», foi interpretada pelo Supremo Tribunal Prussiano como impondo ao empregador o dever de indemnizar o maquinista por danos pessoais e patrimoniais emergentes do descarrilamento ou outros acidentes ferroviários, independentemente de culpa (vide os acórdãos de 25 de novembro de 1856, de 9 de dezembro de 1859 e de 16 de outubro de 1863, publicados no Archiv für Rechtsfälle aus der Praxis der Rechts-Anwälte des Königlichen Ober-Tribunals , dispo- nível em https://books.google.pt, nos seguintes lugares: vol. 22, pp. 352 seguintes; vol. 36, pp. 69 e seguintes; vol. 52, pp. 32 e seguintes). Esta jurisprudência foi acolhida na lei de 1871 ( Gesetz betreffend die Verbindlichkeit zum Schadenersatz für die bei dem Betriebe von Eisenbahnen, Bergwerken usw. Herbeigeführten Tödtungen und Körperverletzun- gen ), que consagrou a responsabilidade objetiva das entidades patronais operadoras de caminhos de ferro e estendeu-a a todo o território germânico (entretanto unificado). O Supremo Tribunal Comercial interpretou o diploma no sentido de abolir a exceção da culpa do lesado e de tornar indemnizáveis os lucros cessantes, alargando a proteção do trabalhador ao máximo compaginável com a letra da lei (vide os acórdãos de 7 de maio de 1872 e de 10 de setembro de 1873, publicados em Entscheidungen des Reichs-Oberhandelsgerichts, dis- ponível em https://books.google.pt, nos seguintes lugares: vol. 6, pp. 9 e seguintes; vol. 10, pp. 411 e seguintes). Em 1884, foi dado o passo decisivo no sentido da plena institucionalização da reparação por acidentes de trabalho. O parlamento aprovou a proposta do chanceler Bismarck de criação de um seguro social de acidentes de trabalho, administrado pelo Estado e financiado através de contribuições dos empregadores, nos termos do qual o sinistrado, independentemente de culpa de terceiro e mesmo no caso de o acidente se dever a negligência da sua parte, adquiria o direito a receber uma pensão igual a uma fração (por regra, de dois terços) da parcela da retribuição, auferida na data do sinistro, correspondente ao coeficiente de incapa- cidade permanente que lhe fosse fixado por uma junta médica; nos casos de morte do trabalhador, a pensão era devida ao seu cônjuge. O seguro social de acidentes de trabalho de 1884 era complementado por um seguro social de prestação de cuidados de saúde, aprovado em 1883, através do qual o trabalhador vitimado por infortúnio laboral adquiria o direito a receber assistência e cuidados médicos. Acresceu-lhes, a partir de 1889, o seguro social de velhice e invalidez, o terceiro esteio do sistema alemão de segurança social. Como contrapartida dos encargos com o financiamento destes seguros sociais, as entidades patronais beneficiavam de uma isenção de responsabilidade civil, nos termos da qual não podiam ser demandadas pelo sinistrado nos tribunais comuns; a lei previa apenas, em caso de dolo ou de culpa grave do empregador, a elevação do montante das pensões acima dos limites normais. Na prática, o regime assentava numa transação de interesses. Do ponto de vista dos trabalhadores, o sacrifício da indemnização integral dos danos sofridos a que teriam direito nos termos das regras gerais justificava-se pela proteção muito mais extensa contra o risco de infortúnio laboral do que aquela que resul- tava da subsunção dos acidentes de trabalho no instituto da responsabilidade civil. Do ponto de vista dos empregadores, os custos do financiamento regular dos seguros sociais de acidentes de trabalho e de saúde eram compensados pela eliminação do risco de pagamento de indemnizações avultadas, nos casos em que a
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=