TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL permanente parcial com a totalidade da retribuição ou da pensão de aposentação é inconstitucional, por duas ordens de razão: (i) Em primeiro lugar, por violar o direito fundamental dos trabalhadores (neste caso, em funções públicas) a justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho. Ao impedir a acumulação inte- gral da pensão por incapacidade com a retribuição e com a pensão de aposentação, a lei confunde as diversas causas ou funções destas prestações, assimilando a reparação do dano laboral, quer à remu- neração do trabalho prestado à entidade empregadora, quer à proteção social na velhice baseada, fundamentalmente, nas contribuições prestadas ao longo da vida ativa. Por outras palavras, a lei oblitera – entende o requerente – «a reparação do dano sofrido pelo trabalhador em dado momento da sua vida em virtude de infortúnio laboral». (ii) Em segundo lugar, por violar o princípio da igualdade, na medida em que o RAT, aplicável aos trabalhadores sujeitos ao regime comum, não contém as proibições de acumulação que a Lei n.º 11/2014, de 6 de março, introduziu no RAS. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do RAT «[a] pensão por incapacidade permanente não pode ser suspensa ou reduzida mesmo que o sinistrado venha a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente, salvo em consequência de revisão da pensão.» E no que respeita à acumulação da pensão por incapacidade com a de apo- sentação, vale o n.º 2 do mesmo artigo, o qual dispõe que a «pensão por incapacidade permanente é cumulável com qualquer outra.» Daí decorre – segundo o requerente – que os trabalhadores sujeitos ao RAS são arbitrariamente prejudicados relativamente aos seus homólogos abrangidos pelo regime comum. Embora distintas do ponto de vista dogmático – por se reconduzirem a parâmetros constitucionais de conteúdo e de natureza diversos –, as questões colocadas pelo requerente estão intimamente relacionadas, de tal modo que constituem, no essencial, duas dimensões ou vertentes do mesmo problema, qual seja o de saber se a justa reparação por infortúnio laboral – consagrada no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição, e concretizada, paradigmaticamente, no regime comum dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro – não implica a permissão legal da acumulação entre a pensão por incapacidade e a totalidade da remuneração do trabalho ou da pensão de aposentação. Para responder a tal questão, é necessário determinar o conteúdo do direito fundamental à justa repara- ção por infortúnio laboral. 6. O direito dos trabalhadores à «assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional» foi consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , após a revisão constitucional de 1997 (artigo 33.º, n.º 3, da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro). Trata-se de um dos direitos fundamentais dos trabalhadores elencados no artigo 59.º da Constituição, no Capítulo relativo aos direitos e deveres económicos. São titulares destes direitos – designadamente o aqui em causa – não apenas os trabalhadores ao serviço de entidades empregadoras privadas, mas também aqueles que exercem funções públicas. De resto, terá sido a importância de evitar a controvérsia a esse respeito um dos propósitos da substituição, operada pela revi- são constitucional de 1989, no corpo do artigo 269.º da Constituição (sob a epígrafe, «Regime da Função Pública»), da expressão «funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas» – uma nomen- clatura com pergaminhos na cultura jurídica e administrativa portuguesa –, pela expressão «trabalhadores da Administração Pública». Sem prejuízo da diversidade entre o emprego privado e o público, é inequívoco que, no direito constitucional português, os direitos fundamentais dos trabalhadores se estendem ao universo do que tradicionalmente se denominava «função pública». Para efeitos do presente processo, importa salientar duas características do direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição.
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