TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 17.º Para a interpretação destes conceitos, vale a pena atentar novamente no que escreve Carlos Alegre (in ob cit. , p. 40): «Utilizámos a expressão incapacidade para trabalhar, mas fizemos notar que a lei refere capacidade de traba- lho ou de ganho. Serão as duas palavras, usadas nesta última expressão, ligadas pela disjuntiva, sinónimas entre si e sinónimas com a capacidade para trabalhar? Capacidade para trabalhar e capacidade de trabalho constituem, efetivamente, a mesma realidade onde não se vislumbram diferenças, pelo que será indiferente utilizar uma ou outra expressão. Mas já a capacidade de ganho pode não traduzir uma realidade semelhante à capacidade de trabalho. Regra geral, estas duas expressões serão, na prática, mesmo sinónimas, uma vez que para o trabalhador por conta de outrem, o ganho resulta do trabalho; isto é, o ganho constitui, normalmente, a retribuição única do trabalho, de tal modo que, se o trabalhador não trabalha não recebe retribuição ou se não trabalha de acordo com o que deveria ser a sua capacidade normal só será retribuído na respetiva proporção. Podem conceber-se, porém, situações em que o trabalhador, vendo afetada ou reduzida a sua capacidade de trabalho não é afetado ou reduzido na sua capacidade de ganho. Tais situações podem acontecer, por exemplo, quando exista um contrato de trabalho individual ou coletivo) ou um contrato de seguro que garanta o paga- mento integral do salário ao trabalhador sinistrado e diminuído na sua capacidade para trabalhar. Todavia, a capacidade de ganho não tem que ver, apenas, com a retribuição, mas com outros aspetos importantes da vida do trabalhador, como a capacidade para progredir normalmente na carreira, para melhorar a sua formação profissional, para mudar de profissão, etc.. E, quanto a nós, neste sentido amplo que a expressão capacidade de ganho deve ser tomada e, portanto, plenamente equiparada à expressão capacidade de (ou para o) trabalho .» [realce em itálico, negrito no original] 18.º Este sentido mais amplo de capacidade de ganho encontra eco igualmente na própria definição de incapacidade permanente parcial, tal constante da alínea l) , do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 503/99, anteriormente citada. 19.º A qualificação da capacidade de ganho como geral, independente da capacidade para o trabalho, torna clara a distinção entre os dois conceitos: pode haver capacidade para trabalhar e redução da capacidade de ganho; por outro lado, esta última capacidade não se referindo, de modo estreito, às funções concretamente exercidas pelo tra- balhador, antes traduz a potencialidade que o mesmo possui de obter rendimento através da sua atividade laboral. 20.º Deste modo, a capacidade de ganho terá que necessariamente abranger os aspetos, referidos por Carlos Alegre, como a capacidade para evoluir profissionalmente, para adquirir nova formação e, mesmo, para mudar de profis- são, em condições que poderiam ser remuneratoriamente mais favoráveis para o trabalhador. 21.º A título ilustrativo, basta pensar na hipótese de um técnico superior jurista que sofre um acidente de trabalho, do qual resulta a amputação de um membro inferior. À partida, esta lesão não envolverá a incapacidade perma- nente absoluta, mesmo para o seu trabalho habitual, mas comportará naturalmente uma redução na sua capacidade geral de ganho: o próprio exercício profissional exigirá um esforço acrescido e a lesão sofrida condicionará, que as hipóteses de alteração de funções, quer mesmo, em certa medida, as perspetivas de evolução profissional (o trabalhador poderá ver, por exemplo, dificultado o exercício de outras funções, como as de inspeção, envolvendo a necessidade de deslocações frequentes).

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